FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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gg MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
não há essa assemelhação, nenhum processo de modificação do<br />
bem exterior, que se irá assemelhando ao que é do corpo. Não<br />
há incorporação física. Apenas nossos esquemas assimilam do<br />
ser exterior o que é semelhante aos mesmos esquemas. As<br />
primeiras assimilações são naturalmente psíquicas. E' o que<br />
os gregos chamavam o phántasma da coisa, e a representação<br />
interior, por assemelhação, que se dá no Imago de nós mesmos,<br />
realiza uma imagem com representação, uma imagem com a<br />
repetição do que é extrínseco da coisa, da sua figura, das suas<br />
cores; em suma, de tudo quanto sensorialmente somos capazes<br />
de captar. Se me permitem, para melhor esclarecimento, recordar<br />
uma passagem importante da filosofia grega, creio que<br />
ela servirá otimamente para esclarecer este ponto, com bastante<br />
segurança. Platão dava como uma das definições do homem<br />
o ser um bípede implume. Um adversário, para ridicularizá-<br />
-lo, entrou um dia numa das aulas de Platão, e dirigindo-se aos<br />
discípulos, ao mesmo tempo que punha sobre um banco um<br />
galo depenado, disse: "eis o homem de Platão". Mas se o galo<br />
é um bípede, por ser depenado não é implume, mas desplumado<br />
. Não é da natureza do galo ser implume, mas o é do homem,<br />
que, como bípede, é o que nos apresenta como implume.<br />
A piada do filósofo piadista grego, (e já os havia nessa época),<br />
só vale como tal, e só impressiona, filosoficamente, a tolos da<br />
sua estirpe. Mas a definição de Platão era uma definição supinamente<br />
empirista, pois empiricamente se nota que é o homem<br />
um bípede, que se distingue de todos os outros por ser implume.<br />
Temos, aqui, uma operação que a mente realiza, fundada<br />
na experiência, na empíria do nosso conhecimento. E essa era<br />
uma definição do idealista Platão, que na verdade não o era.<br />
No entanto, Aristóteles, que é um empirista-racionalista, dava<br />
do homem outra definição: tomava-o pela generalidade animal,<br />
o que é revelado através da empíria, porque empiricamente o<br />
homem se revela, em todo o seu físico, em todo o phántasma<br />
que apresenta, as características de um animal, mas a diferença<br />
específica ia encontrá-la, não no que se revela através dos<br />
sentidos, como o implume de Platão, mas pelo que é captado<br />
pela mente, o ser racional, a rationalitas dos escolásticos, o entendimento,<br />
a intelectualidade, que faltava nos animais, enquanto<br />
o ser implume não falta aos animais, pois todos, parece,<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 89<br />
mamíferos são implumes. Na primeira definição, temos a captação<br />
dos aspectos predominantemente sensíveis do homem; na<br />
segunda, temos já o que ultrapassa os sentidos e exige uma<br />
operação mental para achá-lo, que não é mais uma operação<br />
dos sentidos, mas da inteligência.<br />
— Há, então, duas assimilações da mente humana: a do<br />
phántasma e, posteriormente, a da intelectualidade que classifica.<br />
E' isso, Pitágoras?, perguntou Paulsen.<br />
— Em parte, é isso mesmo. E podemos permanecer apenas<br />
nessas duas operações, porque elas nos explicam bem o<br />
funcionamento da nossa mente, e poderão servir de base para<br />
justificar a validez do conhecimento humano quando realmente<br />
é válido; ou, seja, permitir que alcancemos ao kriterion, a pedra<br />
de toque, capaz de avaliar se são ou não verdadeiros os<br />
nossos juízos e os nossos raciocínios.<br />
Os sentidos recebem o estímulo exterior, mas recebem sempre<br />
proporcionadamente à esquemática que possuem. Assim,<br />
os ouvidos ouvem na gama das vibrações moleculares do ar,<br />
dentro da faixa que vai de um mínimo de 16 vibrações a 32<br />
mil no máximo, e os olhos vêem na gama do que chamamos<br />
a luz, de 400 trilhões a 800 trilhões de vibrações electrónicas,<br />
se não me engano. As imagens são reproduções do que oferecem<br />
os factos do mundo exterior dentro dessas gamas, e algo<br />
semelhante se dá com outros sentidos. Deste modo, a esquemática<br />
dos nossos sentidos limita o conhecimento sensível das<br />
coisas, pois só as conhece dentro dos limites dessa gama. Mas<br />
esse conhecimento pode ser verdadeiro dentro dessa gama. O<br />
que se nos escapa aos sentidos não nega validez ao que sentimos.<br />
Só que, por sabermos, depois, que há vibrações, para as<br />
quais não possuímos órgãos, sabemos que o conhecimento sensível<br />
das coisas, que temos, não esgota a possibilidade cognoscitiva<br />
sensível da coisa. Há algo alheio às nossas possibilidades,<br />
mas possível de ser captado por seres que disponham de<br />
outras gamas sensíveis, como é de presumir que se dê com outros<br />
animais, insetos, etc. Por acaso, é falso o conhecimento<br />
sensível que temos das coisas pelo simples facto de não conhecermos,<br />
sensivelmente, tudo quanto é cognoscível delas?