FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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76 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
mente, exaustivamente. Mas há o inteligível proporcionado à<br />
nossa mente.<br />
— E como se explica que a realidade concreta nos apresente<br />
sempre dificuldades e problemas?, perguntou Ricardo.<br />
— Aceito que surgem sempre aporias, problemas, dificuldades<br />
e até contradicções. Mas é preciso reconhecer que se não<br />
é absolutamente compreensiva, ela é contudo adequadamente<br />
inteligível à nossa mente. E muitas dificuldades ou contradicções<br />
são apenas aparentes, e desvanecem-se quando, com subtileza<br />
e habilidade, examinamos a realidade.<br />
— Mas, como conhecer a realidade singular por meio de<br />
deducções lógicas?, perguntou Ricardo.<br />
— Por meio de deduções lógicas certamente não conhecemos<br />
a existência singular das coisas. Esta nos é dada intuicionalmente.<br />
Mas é por meio de instrumentos intelectuais que<br />
explicamos o facto singular. Do contrário, seria impossível<br />
construir a ciência.<br />
— Mas, Pitágoras, não será o intelecto algo que foge da<br />
vida? — perguntou Vítor. As classificações intelectuais são<br />
mortas, Pitágoras.<br />
— As condições existenciais das coisas realmente não podemos<br />
alcançá-las genuinamente senão vivendo-as. Mas negar-se<br />
que se não possa pelo intelecto também alcançá-las, no<br />
que têm de genuíno não posso aceitar, como não aceita a sua<br />
própria prática, a sua própria experiência. Examine dentro<br />
de si mesmo, e verá que o conhecimento que tem das coisas não<br />
é apenas o vivido, mas também o que é classificado em suas<br />
categorias e conceitos. O intelecto não é contra a vida, nem<br />
fora da vida, mas se dá nela. E' uma faculdade classificadora,<br />
ordenadora, mas fundada na realidade e na experiência.<br />
Ela completa o que vivemos. Ela não mata a vida, mas a<br />
ordena e a explica. E' graças ao intelecto que podemos compreender,<br />
porque temos vivências semelhantes e diferentes, pois<br />
são essas semelhanças e essas diferenças que permitem as generalizações,<br />
os conceitos, as categorias e, finalmente, o raciocínio,<br />
que se funda num encadeamento, no nexo que as coisas<br />
revelam, nexo que está na vida, porque cada coisa participa<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> NKCACAO 77<br />
de algo de que as outras participam e, por mais distante que<br />
uma coisa esteja de outra, há sempre algo que as aproxima,<br />
as une e as identifica. O espetáculo do mundo é diverso, é<br />
vário, heterogéneo, mas a razão mostra também que sempre<br />
há algo que une, que conexiona, que aproxima. E' a vida que<br />
se afirma aí também. Não é a heterogeneidade da vida que<br />
as vivências testemunham, mas a homogeneidade da vida que<br />
o intelecto descobre.<br />
A noite ia longe. Todos concordaram que convinha deixar<br />
o resto da discussão para o dia seguinte. E Paulsen propôs:<br />
— E' tarde já. Gostaria de ficar mais um pouco. Mas<br />
é preciso recuperar forças. Amanhã aqui, todos. E Pitágoras<br />
nos há de mostrar que a fenomenologia também não é procedente.<br />
Faço questão em que aborde este ponto, porque, não<br />
nego, tenho encontrado nessa posição filosófica argumentos tão<br />
sólidos, que gostaria que êle me mostrasse onde está a sua<br />
fraqueza. Aceita, Pitágoras?<br />
— Com todo o prazer. Amanhã aqui. E vamos ver o que<br />
poderei fazer.