19.04.2013 Views

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

74 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

e mais lacónico no meu exame, embora reconheça que palmilho<br />

um terreno cheio de anfractuosidades e de grandes e difíceis<br />

aporias. Se tomarmos Kierkegaard como exemplo, logo verificaremos<br />

que prima sua obra por um ataque severo ao idealismo<br />

de Hegel e, sobretudo, contra o seu racionalismo. Afirma<br />

a irracionalidade singular da existência humana, existência<br />

trágica, angustiosa. Modernamente, vimos Hcidegger começar<br />

seguindo as pegadas do existencialismo, mas terminando por<br />

tentar a fundação de uma ontologia. Mas deixemos isso tudo<br />

para outra ocasião. Sei que há aqui entre nós alguns que<br />

andam enamorados pelo existencialismo, e gostaria muito de<br />

dialogar com eles oportunamente. Como isso exigiria muito<br />

tempo, prefiro que fique para outra ocasião. Por ora, gostaria<br />

apenas de abordar o aspecto gnoseológico do anti-intelectualismo.<br />

Já mostrei, no início deste diálogo, que a nossa razão<br />

alcança fundamentos reais, que nenhum anti-intelectualismo<br />

é capaz de remover. Temos uma experiência objectiva da<br />

realidade, o que já provamos. E também uma experiência<br />

subjectiva da nossa existência e da existência verdadeira<br />

de alguma coisa. Não se pode negar o valor de nossas especulações<br />

racionais, pois, sem elas, como formaríamos a ciência<br />

e a filosofia? Que o nosso intelecto não nos dê tudo, não quer<br />

dizer que não nos dá nada. Se nem tudo o que êle nos oferece<br />

é verdadeiro, não quer dizer que tudo que nos dá é falso, como<br />

já se disse. Ademais nos tem sido possível, graças a êle, rectificar<br />

nossos conhecimentos, escoimá-los de seus defeitos, ampliá-los<br />

e torná-los mais sólidos. As deficiências que apresenta<br />

não são bastantes para que lhe neguemos totalmente validez.<br />

Toda a praxis (toda a actividade humana) seria impossível se<br />

não houvesse a presidi-la a segurança da acção intelectual. O<br />

anti-intelectualismo se presta a literatos sistemáticos, não a<br />

homens práticos, e quando digo práticos não quero reduzi-los<br />

apenas a homens de negócio. O homem que trabalha num laboratório,<br />

o engenheiro que desenha a planta e o projecto de<br />

uma grande realização técnica, são acompanhados sempre e auxiliados<br />

pelos instrumentos intelectuais. Poetas ou literatos<br />

sistemáticos — e os olhos de Pitágoras punham-se intencionalmente<br />

sobre Vítor — podem acreditar que o intelecto nada<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 75<br />

vale. Talvez tenham eles razão ao examinar seu próprio intelecto<br />

... — Houve alguns sorrisos. Mas Pitágoras esforçou-se<br />

logo em desfazer suas intenções: — Bem, não quero ser piadista,<br />

pois isso de fazer piadas com coisas sérias é a maneira<br />

mais tola de proceder, e só revela deficiência mental. As coisas<br />

sérias dever ser tratadas como tais. Foi apenas uma fraqueza<br />

de minha parte, que peço perdoarem. Deixem-me, pois, prosseguir:<br />

O anti-intelectualismo termina por negar valor objectivo<br />

a todas as noções inteligíveis essenciais. E como tal, é relativismo<br />

universal e, portanto, refutável como relativismo. E é<br />

relativismo, porque este nega qualquer estabilidade à realidade.<br />

Mas o anti-intelectualismo não pode deixar, contudo, de contradizer-se,<br />

porque termina por aceitar certas constatações<br />

estáveis, e também termina por afirmar certos princípios, e<br />

deles tirar conclusões. E em tudo isso o anti-intelectualismo<br />

usa o intelecto, trabalha com o intelecto e raciocina com a razão.<br />

E' assim incoerente consigo mesmo.<br />

— Permita-me uma objecção, Pitágoras — pediu Ricardo.<br />

— O facto de um anti-intelectualista usar do intelecto e da<br />

razão não quer dizer que dê valor especulativo a essa faculdade.<br />

Êle o usa apenas praticamente.<br />

— Sim, mas não pode negar que ela se conexiona com<br />

essa praxe, e suas conclusões são decorrências raciocinadamente<br />

rigorosas com as premissas. Pode êle negar o valor cognoscitivo<br />

do intelecto, ou especulativo deste, mas o emprega necessariamente<br />

na prática. De qualquer modo, o anti-intelectualismo<br />

cai na contradicção. O que fica de pé, ante tudo quanto<br />

disse, é que a realidade é inteligível, e o nosso intelecto é apto<br />

a captar tal inteligibilidade.<br />

— Permite, Pitágoras, uma objecção? — propôs Reinaldo.<br />

— Faça-a.<br />

— A realidade das coisas é limitada, é deficiente. Coino<br />

é inteligível uma realidade que é deficiente? Não pode ser ela<br />

explicada de modo absoluto.<br />

— Nesse sentido concordo, porque dizer-se que uma coisa<br />

é inteligível não quer dizer que a podemos inteligir absoluta-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!