FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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72 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Vejamos agora o idealismo anti-intelectualista. Este<br />
afirma que nós não podemos atingir pelo intelecto a realidade<br />
das coisas; ou seja, que o intelecto não é instrumento hábil<br />
para o homem conhecer a verdade. Como a razão é função<br />
intelectual, e como esta sedimenta a lógica, que é uma sistematização<br />
das funções racionais, os idealistas anti-intelectualistas,<br />
negando valor ao intelecto, negam a razão, declaram-se<br />
alógicos e irracionalistas até, e afirmam que só captamos as<br />
coisas através de experiências apenas vitais e alógicas. Assim<br />
vemos Bergson dizer que só pela intuição, em oposição à razão,<br />
alcançamos a verdade das coisas, verdade vivida, verdade apenas<br />
vivencial e não intelectual. O intelecto não é hábil para<br />
o conhecimento, porque é um criador de ficções, e está submetido<br />
a uma esquemática conceituai e fundamentalmente histórico-social.<br />
Sem a intuição, não poderíamos construir uma<br />
metafísica...<br />
— Mas que é essa intuição para Bergson?, perguntou<br />
Reinaldo.<br />
— Essa intuição, para êle, é um acto de interiorização<br />
simples e emotiva, que surge de um élan que se opõe à tendência<br />
natural do intelecto. Por meio desse acto, há uma coincidência<br />
entre o cognoscente e a coisa conhecida. Esse ímpeto<br />
é o que êle chama de élan vital. Bergson chama essa intuição<br />
de faculdade de ver imanente à faculdade de agir. A intuição<br />
não é abstractora, mas penetradora na concreção da coisa. Vivemos<br />
a verdade, não à custa do pensamento sobre ela.<br />
— Nos existencialistas também encontramos posições semelhantes.<br />
O existencialismo também é anti-racionalista, também<br />
é anti-intelectualista. Não concorda você?, perguntou<br />
Ricardo.<br />
— Isso mesmo, Ricardo, respondeu Pitágoras satisfeito.<br />
E' verdade que também são assim. Ao desejarem combater o<br />
racionalismo de Descartes e o idealismo monístico, caíram nos<br />
naturais excessos da atitude polémica, mal de que não poucos<br />
padecem.<br />
— Não quer você reconhecer que também padece de tais<br />
males?, perguntou com sarcasmo Vítor.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 73<br />
— Não o nego, nem quanto a mim, nem quanto a você,<br />
nem quanto a todos nós. A posição polémica oferece os perigos<br />
dos excessos e da deformação. Contudo, tenho consciência<br />
disso, o que nem todos têm, e procuro ser o mais sensato possível,<br />
evitando cometer erros dessa espécie, embora reconheça<br />
que humanamente os cometa. Vítor sorriu a contragosto. E<br />
Pitágoras prosseguiu: — Contudo, a posição idealista-antiintelectualista<br />
não é propriamente céptica senão parcialmente.<br />
Admite que se chegue ao coração da verdade das coisas, mas<br />
por caminhos não intelectuais, e alguns afirmam até místicos.<br />
Contra eles me caberia apenas mostrar que o defeito de que<br />
acusam a razão, a ponto de quererem negar ao intelecto humano<br />
todo o seu valor, é o seu pecado maior. Que há verdades<br />
intuitivas também aceito, mas que só haja verdades dessa espécie<br />
cabíveis ao homem é de que discordo.<br />
— Nesse caso, Pitágoras, como o tempo corre, e já é tarde,<br />
e teremos logo que nos despedir, gostaria que você se cingisse<br />
a abordar apenas esse aspecto, propôs Paulsen.<br />
— E' o que farei, pois não há necessidade de entregar-me<br />
a um exame mais completo, mesmo porque certos aspectos já<br />
foram demonstrados, e o que falta é apenas mostrar como é<br />
improcedente a afirmação estreita dessa posição, sob o aspecto<br />
negativista que ela apresenta quanto ao valor do intelecto humano.<br />
Em primeiro lugar, o anti-intelectualismo reduz-se afinal<br />
ao relativismo, e merece a mesma refutação. Em segundo lugar,<br />
é falsa a negação que faz da validez do intelecto.<br />
— Permita-me interrompê-lo, Pitágoras, pediu Reinaldo.<br />
Mas parece-me que há certa relação entre o anti-intelectualismo<br />
e Kant. Qual a sua opinião?<br />
— Há, no referente à subjectividade do conhecimento sensível<br />
e da incapacidade do intelecto humano em atingir a realidade<br />
ontológica das coisas. Mas isso é discutível, porque,<br />
também, o que na verdade Kant pensava, é um muito diferente<br />
do que se costuma atribuir-lhe. Mas se penetrasse nesse terreno,<br />
eu me perderia, e fugiríamos do tema principal, e como<br />
o tempo urge, como disse Paulsen, prefiro ser mais explícito