FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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68 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
se esclarecesse, dentro de nossas forças, o que deve ser esclarecido.<br />
Voltemos, pois, ao tema que estamos examinando. O<br />
idealismo funda-se no princípio da imanência, de que, portanto,<br />
só conhecemos o objecto interno de nossa cognição. Este é um<br />
produto total da actividade cognoscitiva. Seu ser 6 puramente<br />
seu conhecer. Ora, cabe ao idealismo provar, em primeiro lugar,<br />
seu princípio da imanência. E como o demonstram os<br />
idealistas? Afirmando a presença do objecto de cognição em<br />
nossa mente. Mas isso prova apenas uma imanência intencional,<br />
e não uma imanência total. Não se pode afirmar que<br />
apenas o objecto existe em nossa mente. Se nossa mente produz<br />
entes de razão, tal não prova que produz totalmente o objecto.<br />
Ora, tal coisa não provam os idealistas. Em oposição<br />
aos idealistas, os realistas afirmam que há algo que transcende<br />
o nosso conhecimento, e que a verdade é independente de nossa<br />
cognição. E' aí que se trava o debate, o qual eu agora gostaria<br />
de discutir. A posição idealista, em sua afirmação universal,<br />
torna-se relativista e céptica, e é refutável enquanto tal, por^<br />
que, na verdade, o idealismo acaba por reduzir-se ao cepticismo<br />
e ao relativismo.<br />
— Proponho uma objecção, Pitágoras, interveio Ricardo.<br />
Nós só conhecemos o que está presente em nossa cognição.<br />
Portanto o que conhecemos é imanente à nossa cognição.<br />
— Boa objecção, Ricardo. Mas o que está presente na<br />
cognição está intencionalmente, não realmente. Não prova que<br />
toda sua realidade esteja na cognição.<br />
— Mas, Pitágoras, para que se conheça a verdade no ente<br />
real, haverá necessidade de que o conhecimento seja adequado<br />
à coisa. Ora, observamos que o cognoscente não pode sair de<br />
sua cognição. Nesse caso, como poderia conhecer a verdade<br />
fundada no ente real?, perguntou Ricardo.<br />
— Em parte, assiste razão a você, respondeu Pitágoras.<br />
Impõe-se a adequação entre o cognoscente e a coisa conhecida.<br />
Mas é preciso saber qual adequação, e aqui vai a resposta à<br />
sua objecção. O homem não pode excluir-se, em seu conhecimento,<br />
de suas condições psicológicas, mas pode intencionalmente,<br />
ou representativamente, sair da sua cognição. A coisa<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 69<br />
é representada ou é reproduzida intencionalmente, segundo as<br />
nossas condições, mas a coisa é, de certo modo.<br />
— Então, não há identidade entre o cognoscente e a coisa<br />
conhecida, objectou Ricardo.<br />
— Há uma identidade de ordem cognoscitiva, não de ordem<br />
real. A coisa não é em si o que é no espírito, quanto à<br />
existência, porque o que existe fora da mente é outro que o<br />
que existe na mente. Mas o que existe na mente é uma reprodução<br />
intencional ou representativa do que existe fora da mente.<br />
E basta essa identidade para justificar o conhecimento.<br />
O que afirmamos é que a coisa conhecida não existe apenas no<br />
cognoscente, nem que a cognição é algo totalmente diferente<br />
da coisa conhecida. A cognição não é a coisa conhecida, mas<br />
a reproduz intencionalmente, segundo as condições do cognoscente.<br />
Sei muito bem que se dispusesse de outros órgãos sensíveis<br />
poderia captar mais realidade do que a que capto nessa<br />
mesa. ■ Teria dela uma imagem mais rica, muito mais complexa.<br />
Se pudesse sentir seu campo electromagnético, talvez<br />
a sentisse imersa e penetrando em tudo quanto os meus olhos<br />
abarcam. Outros seriam os limites que não os que apenas me<br />
mostra a minha visão. Mas uma coisa continuaria a mesma:<br />
este objecto seria uma árvore, formalmente uma árvore. A<br />
minha verdade estaria aí, e salva. Você não deixa de ser um<br />
homem e um ser existente, pelo simples facto de uma humanidade<br />
de surdos e de cegos o conhecerem apenas pelo tacto. A<br />
imagem que formariam de você seria distinta da que eu posso<br />
formar, mas nem por isso se poderia dizer que toda a sua realidade<br />
se reduziria apenas à imagem, ao que é fenomenizado<br />
de você para tais seres. Nem tampouco se poderia dizer que<br />
o conhecimento de tais seres seria falso. Nem você se reduzia<br />
apenas a um conjunto de sensações tácteis. A imagem que<br />
se formaria de você seria intencionalmente verdadeira e adequada<br />
à sua realidade, segundo as condições de tais seres cognoscentes.<br />
Daí porque tenho afirmado que se o nosso conhecimento<br />
não é perfeito, não quer dizer que seja falso. O erro<br />
das doutrinas, que examinamos até aqui, consiste precisamente<br />
em negar toda validez ao conhecimento humano, apenas porque<br />
êle não conhece exaustivamente, completa e absolutamente,<br />
uma coisa. Nesse caso, seria erro afirmar que o país em que