FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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66 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Faça como achar melhor, Pitágoras, interveio Artur.<br />
De minha parte desejo penetrar em todos os caminhos, pois<br />
creio que será melhor conhecer a todos que a alguns, e noto que<br />
suas palavras parecem coincidir com o que há de mais profundo<br />
em mim mesmo.<br />
— Parece que Pitágoras já tem um discípulo, disse, rindo,<br />
Vítor, sem esconder certo sarcasmo. Artur compreendeu a sua<br />
intenção. Por ser o mais jovem, não pôde evitar certo enleio,<br />
que se revelava no rosto, que se coloriu de um leve rubor. E<br />
não esperou mais para responder:<br />
— Não seria nenhum motivo de vergonha para mim. Todos<br />
nós temos de reconhecer que Pitágoras fala como um mestre.<br />
E se eu fosse seu discípulo, bastante me honraria.<br />
— Obrigado, Artur. E creia que não o iria decepcionar,<br />
disse, com um sorriso benévolo, Pitágoras. Eu muitas vezes<br />
já disse que os homens podem ser classificados como homens<br />
da tarde, homens tardios, crepusculares, que são bem a expressão<br />
da hora que passa. E para mim, não escondo nunca as'<br />
minhas opiniões, tanto Vítor, como Ricardo, como Paulsen são<br />
ainda homens predominantemente tardios, embora, em graus<br />
diferentes sejam um pouco noturnos, homens da noite, que são<br />
os que gostam de interrogar as trevas e perscrutar as estrelas.<br />
Você, Artur, é um desses homens. E quem poderia conhecer<br />
as madrugadas, senão aqueles que permanecem despertos nas<br />
trevas da noite? Para surpreender as auroras, é preciso permanecer<br />
desperto pela noite alta até que as trevas sejam invadidas<br />
pela luz. Só se conhecerá a aurora, se se proceder<br />
assim. Você é noturno como eu, e as trevas nos confraternizam<br />
porque ambos gostamos de interrogá-las. Elas nos propõem<br />
enigmas que desafiam a nossa argúcia. Os homens tardios<br />
nem pressentem a noite que vem, porque, voltados para<br />
o crepúsculo, não percebem as sombras que avançam às suas<br />
costas. Você gostaria de descobrir uma aurora que o iluminasse<br />
de uma luz tão clara que aos poucos alcançasse a plenitude<br />
do meio dia. E' essa a sua meta. De homem noturno,<br />
quer ser um homem da madrugada, para ser afinal um homem<br />
do meio-dia. Mas, pode ficar sabendo que só se alcança essa<br />
plenitude de luz, depois de enfrentar o crepúsculo. Enfrentemos<br />
o crepúsculo...<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 67<br />
— Nós somos o crepúsculo, Ricardo, e você também Paulsen,<br />
como eu — disse com sarcasmo Vítor. Pitágoras não nos<br />
poupa pelo simples facto de não estarmos sedentos de certezas<br />
e não vivermos a sua verdade.<br />
— Não é isso. Não compreendam mal as minhas palavras.<br />
Não os desprezo. Ao contrário, quero bem a vocês todos,<br />
e preciso de vocês para prosseguir o meu caminho. O que<br />
deploro é que vocês se satisfaçam apenas em admirar os cambiantes<br />
crepusculares, e não queiram ir além, por medo, ou<br />
covardia.<br />
— Parece-me, Pitágoras, que suas palavras se tornaram<br />
um pouco fortes. Mas não lhe quero também mal por isso.<br />
Compreendo que não se compatibilize com as nossas atitudes,<br />
mas não precisa ofender-nos, disse, com sarcasmo maior ainda,<br />
Vítor.<br />
— Não há ofensa no que disse, afirmou Pitágoras com<br />
tranquilidade. — Não lhes desgosto por isso. Quero apenas<br />
salientar que há muitos caminhos e mais belos, e queixo-me<br />
apenas de vocês se comprazerem nas belezas crepusculares.<br />
Mas estou certo de que não ficarão aí sempre. Um dia também<br />
há de se iluminar a sua aurora, como já se iluminou a minha,<br />
quando, em certo período de minha vida, extraviei-me na contemplação<br />
dos crepúsculos, pensando que eles eram eternos.<br />
— Deixemos essas divagações líricas, Pitágoras, propôs<br />
Vítor. Sejamos mais práticos, e aproveitemos melhor nosso<br />
tempo, porque já se faz tarde, e creio que, por hoje, pouco<br />
adiantaremos. Você nos prometeu refutar o idealismo. Pois<br />
faça-o. Não iremos, creio, defendê-lo, porque, de minha parte<br />
pelo menos, antipatizo solenemente com essa posição filosófica,<br />
que, para mim, tem feito mais mal que bem ao pensamento<br />
humano.<br />
— Essa também é a minha opinião, apoiou Ricardo.<br />
— E a minha também, afirmou Paulsen.<br />
— Contudo, gostaria que alguém me objectasse quando eu<br />
fizer as minhas demonstrações, porque estamos todos aqui movidos<br />
por uma intenção digna, e não seria conveniente que não