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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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60 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

— Mas, a verossimilhança, Ricardo, é um grau de ilusão<br />

que se afasta da ilusão pura para aproximar-se da verdade.<br />

Neste caso, admitiria você que há graus nas ilusões; umas menos<br />

e outras mais próximas da verdade. Como medir a verossimilhança<br />

senão por um critério de verdade? E afirmar tal<br />

não é negar validez ao próprio cepticismo? Pois o que dá mais<br />

verossimilhança não é a presença de mais verdade que de ilusão?<br />

Desse modo, negaria a sua afirmação de que tudo é<br />

falso, e afirmaria que tudo é verdadeiro em certo grau. A<br />

verdade seria gradativa, mas haveria um grau máximo, e esse<br />

seria a verdade em seu esplendor. E, ademais, afirmaria que<br />

há no homem um critério de verdade, que é o da verossimilhança,<br />

que lhe permite alcançar um grau maior de verdade. Mas<br />

como poderia medir esse grau de verdade sem a verdade? Se<br />

meço os graus de calor preciso, em primeiro lugar, do calor<br />

para dizer que há mais calor aqui que ali. O cepticismo, admitindo<br />

a verossimilhança nega a si mesmo. E como o relativismo<br />

universal fenomenístico é nada mais que cepticismo<br />

universal, refutado está como está aquele.<br />

Ninguém respondeu às palavras de Pitágoras. Êle então<br />

prosseguiu:<br />

— Toda concepção céptica nega uma verdade natural ao<br />

homem. Consequentemente, também a nega o relativismo, por<br />

ser céptico. E refuta-se, como se refutou aquele. E não se<br />

pode alegar também o facto de haver discordância entre os<br />

filósofos quanto às verdades. As discrepâncias surgem porque<br />

o nosso intelecto não leva indefectivelmente à verdade absoluta,<br />

mas esse defeito é defeito, e não é de sua natureza, pois<br />

alcançamos verdades, como já o mostramos quando iniciamos<br />

este diálogo.<br />

— Mas, como se explica que se possa disputar sobre essas<br />

verdades?, perguntou Vítor.<br />

— Sim, disputa-se sobre o que é disputável, não sobre o<br />

que é indisputável. E' indisputável que alguma coisa há, e<br />

sobre isso toda disputa provaria que alguma coisa há. De<br />

mente sã, é impossível disputar aqui. Há, portanto, verdades<br />

indisputáveis. As disputáveis são apenas aquelas que oferecem<br />

dificuldades teóricas, o que a filosofia chama de aporia.<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> c>i<br />

Disputam-se as aporias, não o que é de per si evidente. As<br />

dificuldades partem de pressuposições que não são suficientemente<br />

esclarecidas, e a disputa revela que nossa mente se dispõe,<br />

e está disposta, a alcançar verdades; senão por que disputaríamos?<br />

Se o relativismo tivesse razão, não haveria possibilidade<br />

de antagonistas colocarem-se em pontos opostos. A<br />

presunção de possibilidades verdadeiras indica que há alguma<br />

verdade absoluta, pois como a verossimilhança e as comprovações<br />

seriam possíveis? Depois, não se deve exagerar a discrepância<br />

que há entre os filósofos. Se há pontos onde há<br />

discrepâncias, há outros em que elas não surgem. Não há discrepância<br />

alguma possível sobre haver alguma coisa. E as<br />

conclusões absurdas, que verificamos em certos filósofos, facilmente<br />

percebemos que surgem elas de premissas falsas, que<br />

não foram suficientemente examinadas. Pode-se concluir, e é<br />

o que desejo fazer, e depois provar, que o homem pode alcançar<br />

a verdade, embora imperfeita em seu enunciado e em sua visão;<br />

que o homem pode construir uma ciência, embora seja ela difícil.<br />

— Afirma então você que o homem pode conhecer uma<br />

ciência perfeita. Pois bem, onde está ela?, perguntou Ricardo.<br />

— Não afirmei tal coisa. Afirmei apenas que o homem<br />

pode ter uma ciência certa, não perfeita de modo absoluto, mas<br />

apenas na perfeição que cabe à certeza. E' certo que eu sou<br />

eu, não o sei porém de modo absolutamente perfeito, respondeu,<br />

com firmeza, Pitágoras.<br />

— Mas, você sabe que me dedico ao estudo das ciências<br />

naturais, pois estudo medicina, e o faço com afinco. À proporção<br />

que se progride no conhecimento científico, mais coisas<br />

obscuras surgem, mais sombras se colocam no horizonte do<br />

conhecimento. O muito saber não nos aproximou mais das soluções<br />

últimas. Não é isso uma demonstração de que não há<br />

uma ciência certa, como você afirma?<br />

Essa alegação de Ricardo agradou vivamente a Vítor e a<br />

Josias, que revelavam em seus rostos um vislumbre de vitória.<br />

Pitágoras compreendeu a satisfação que lhes causaram tais palavras.<br />

Deixou que gozassem de sua satisfação. Não se perturbou<br />

por isso. Ao contrário, uma imensa simpatia humana

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