FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
56<br />
MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
combustão, deixa de ser lenha para ser cinza e carvão, tal facto<br />
não nega a identidade, porque a madeira é madeira enquanto<br />
é madeira, e é carvão enquanto é carvão. O carvão é uma possibilidade<br />
da madeira apenas, que se tornou em acto, deixando<br />
aquela de ser madeira para tornar-se em carvão. Nada disso<br />
ofende o princípio de identidade.<br />
— Mas se a madeira pode tornar-se carvão, e sendo o carvão<br />
outro que a madeira, a madeira é contraditada pelo carvão,<br />
pois ela de certo modo é já o carvão, embora potencialmente,<br />
alegou Vítor.<br />
— Muito bem, respondeu Pitágoras. Seu argumento vem<br />
a meu favor. A madeira, enquanto é, em acto, madeira, é madeira.<br />
Mas, em potência, ela pode vir-a-ser carvão. Mas o<br />
que é em potência alguma coisa, não é em acto. Não há<br />
aí contradição, porque só haveria se, sob o mesmo aspecto e<br />
simultaneamente, a madeira fosse em acto madeira, e, em acto,<br />
carvão.<br />
— Mas a madeira pode conservar-se, então, como madeira<br />
e pode ser carvão. Se carvão é outro que a madeira, a madeira<br />
tem a possibilidade simultânea, sob o mesmo aspecto, de ser,<br />
ora de não ser, o que afirma, portanto, a contradicção, alegou,<br />
com energia, Vítor.<br />
— ótima a sua intervenção, Vítor. Este ponto é de máxima<br />
importância para o esclarecimento do que estamos abordando.<br />
No que é em acto, ou o atributo é presente ou é ausente,<br />
porque no que está em acto não pode haver, ao mesmo tempo,<br />
e sob o mesmo aspecto, a presença e a ausência de um atributo.<br />
Mas, no que é em potência, o atributo ainda não está presente<br />
em acto nem ausente, porque o que pode vir-a-ser pode ser de<br />
modos diferentes. A contradicção pode dar-se potencialmente<br />
não actualmente. Eu poderia agora estar aqui ou em outro<br />
lugar. Essa possibilidade eu tinha, mas se estou aqui, estou<br />
aqui, e não em outro lugar, salvo se tivesse o dom da ubiquidade,<br />
o que não tenho. Este ponto é de grande importância, e<br />
seu valor revela-se agora, e ainda há de revelar-se mais adiante.<br />
Note-se, agora, que a possibilidade actualizada exclui as<br />
outras possibilidades que não o foram. Se a madeira torna-se<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> r>7<br />
carvão, a possibilidade de permanecer madeira desvaneceu-se.<br />
A matéria, que compõe a madeira, não pode ser, ao mesmo<br />
tempo e sob o mesmo aspecto, a madeira que foi, e o carvão<br />
que é agora. Vê-se, assim, que o fluir das coisas não ofende<br />
o princípio de identidade.<br />
E fêz uma pausa. Pitágoras aguardou algum tempo, e<br />
como ninguém objectasse mais nada, prosseguiu êle do modo<br />
que se segue.