FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Nenhum cientista aceita como demonstrável o que não<br />
é demonstrado; mas nenhum de bom senso aceitará como indemonstrável<br />
o que não foi ainda demonstrado.<br />
— Mas aquilo que é demonstrável deve ser demonstrado<br />
cientificamente.<br />
— E também o que é indemonstrável. E como poderia<br />
alguém arguir que as primeiras verdades são indemonstráveis<br />
sem demonstrar que o são?<br />
— Estamos então num círculo vicioso, acudiu Reinaldo.<br />
— Não. As primeiras verdades são ditas indemonstráveis<br />
porque, para o serem, deveriam ser demonstradas, e essas,<br />
que demonstram, por sua vez, demonstráveis, e iríamos ao infinito.<br />
Mas há verdades que se mostram imediatamente, como<br />
as que já salientamos. Fundado nelas, podemos mostrar a validez<br />
de outras, ou seja, de-monstrá-las.<br />
— Então teria você que provar que a nossa mente é apta<br />
a conhecer verdades, propôs Reinaldo.<br />
— Já o fiz, pois mostrei que alcançamos a verdade, como<br />
a de que tudo não pode ser ficção, que nem tudo pode ser verdade,<br />
nem tudo pode ser falso. A mente humana é apta a alcançar<br />
certas verdades, sem dúvida, de evidência objectiva, mas<br />
proporcionadas ao homem, porque, naturalmente, nossa mente<br />
não é algo que esteja fora e seja totalmente outra que a natureza.<br />
Essas verdades destroem, de uma vez, o cepticismo universal.<br />
— Mas não pode você negar que nossos sentidos nos levam<br />
ao erro — alegou Ricardo.<br />
— Não o nego, mas sim que nos levem sempre ao erro.<br />
Se nossas faculdades cognoscitivas nos levassem sempre ao erro,<br />
poderia haver razão. Mas tal é contraditório, porque sentir-se<br />
em erro é ter já certa visão da verdade, porque saber que estamos<br />
errados é saber que não estamos na verdade, e que, portanto,<br />
há verdade. Nossos meios cognoscitivos nos levam ao<br />
erro accidentalmente, não necessariamente. Se erramos, não<br />
erramos sempre. Precisaríamos provar que nossos meios cognoscitivos<br />
nos levam ao erro por condição de sua natureza, o<br />
que não é possível admitir, porque então provaríamos a capa-<br />
FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 51<br />
cidade de perceber o erro, o que implica uma comparação a uma<br />
verdade perscrutada de certo modo.<br />
— Não se pode negar que há erros intelectuais, afirmou<br />
Josias.<br />
— Sei que os há. Mas não se pode dizer que nosso intelecto<br />
necessariamente erra sempre.<br />
— Mas podemos errar sem saber que erramos.<br />
— Sim, mas podemos saber que erramos. E tanto é assim<br />
que posteriormente descobrimos nossos erros.<br />
— Então, o seu único critério é a evidência. Mas essa é<br />
subjectiva e não é suficiente para afirmar a verdade, alegou<br />
Ricardo.<br />
— Se eu realmente me fundasse apenas na evidência, ou<br />
nas ideias claras de Descartes, ou nos três princípios de Balmes<br />
e da neo-escolástica, estaria certa a sua alegação. Contudo,<br />
essa não é a minha posição. Sei que a evidência é subjectiva,<br />
e não é nela que desejo fundar um critério de conhecimento,<br />
mas uma evidência objectiva; melhor diria, numa objectividade<br />
independente de todos os preconceitos ou condições psicológicas<br />
de qualquer espécie.<br />
— Pois é essa demonstração que está fazendo falta, acrescentou<br />
Josias.<br />
— Chegarei lá se tiver forças para tanto.<br />
— E não esqueça que o valor da razão prova apenas a seu<br />
favor e nada mais, apoiou Ricardo.<br />
— Se me fundasse apenas na razão, e em si mesma, essa<br />
afirmativa estaria certa. Mas é que o estabelecido pela razão<br />
pode ser comprovado objectivamente. A força da razão está<br />
na sua adequação aos factos e nada mais. Contudo, há validez<br />
de ordem ontológica que supera até a razão, embora não negue<br />
seus fundamentos, pois, ao contrário, os fortalece. Mas, para<br />
prosseguir e alcançar o que desejo, impõe-se que eu examine<br />
certas doutrinas, para que não sejam seus argumentos apresentados<br />
depois, obrigando-me a retornar aos pontos já examinados.<br />
Verificamos que o cepticismo universal é de desprezar.<br />
Verifiquemos agora se cabem melhores fundamentos ao relati-