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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

— E' o que pretendo fazer. Podemos começar pela certeza<br />

de que há alguma coisa, desde que somos capazes de pensar,<br />

de sentir, amar, sofrer. Nós somos alguma coisa, e não nada,<br />

porque somos capazes de cogitar, de sentir, de sofrer.<br />

— Mas não poderíamos ser o sonho de uma borboleta como<br />

dizia aquele filósofo chinês?, atalhou, para perguntar, Ricardo.<br />

— Vamos admitir que fôssemos o sonho de uma borboleta<br />

e que, nesse sonho, há alguém que imagina que é consciente<br />

: nós.<br />

— Nesse caso não existiríamos?<br />

— Não existiríamos em nós mesmos, mas existiríamos no<br />

sonho da borboleta. Tal possibilidade afirmaria apenas que<br />

não temos o que em filosofia se chama aseidade, ter o ser por<br />

si mesmo, pois seríamos em outro, na mente da borboleta.<br />

Teríamos, então, inaliedade; ou seja, seríamos em outro, alius,<br />

ou vindos de outro, ab alius, abaliedade. Mas quem poderia<br />

predicar que esse sonho dessa borboleta é absolutamente nada?<br />

— Acho que você tem razão, Pitágoras, apoiou Artur.<br />

— E, sem dúvida, tenho razão. Tais argumentos não afirmam<br />

o nada absoluto, mas apenas que algo existe, seja em si<br />

ou seja em outro. Portanto, podemos afirmar que somos alguma<br />

coisa, e o homem tem conhecimento de si ao sentir-se, ao<br />

pensar, ao cogitar. Temos a certeza, portanto, da nossa existência.<br />

Se há alguma objecção aqui, gostaria que alguém a<br />

fizesse.<br />

— Mas, num sonho, Pitágoras, podemos pensar que somos<br />

outra pessoa e, nesse sonho, essa pessoa ter a consciência de<br />

que é ela mesma e não nós, que sonhamos.<br />

— Que seja!, concedeu Pitágoras. Mas jamais poderíamos<br />

dizer que o sonhado é meramente nada.<br />

— Mas, passado o sonho, deixou de ser, propôs Josias.<br />

— Sim, deixou de ser. Mas, de qualquer modo, foi, não<br />

sendo um absolutamente nada. Podemos ser o pensamento de<br />

um ser outro que nós, mas de qualquer modo somos e existimos<br />

nesse pensar desse ser superior. E ao termos consciência<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 49<br />

de que somos, temos um saber certo da nossa própria existência.<br />

Posso não saber o que seja esta pêra, mas sei que não é<br />

um absoluto nada, mas alguma coisa, uma ilusão, uma ficção,<br />

um pedaço de sonho; não, porém, nada. Sei que quero, que<br />

conheço, e não posso dizer que não existo. Pitágoras esperou<br />

que alguém objectasse. Vendo que ninguém se atrevia a discordar,<br />

prosseguiu: — Não pode tudo ser ficção, já vimos. Mas<br />

a própria ficção afirma que há alguma coisa. E se todos os<br />

nossos espontâneos conhecimentos fossem ficcionais, fossem<br />

ilusórios, todos seriam então ilusórios e não haveria possibilidade<br />

de reflectir de modo certo em nenhum momento. E se<br />

todos fossem ilusórios, nada haveria em nossos conhecimentos,<br />

senão uma universal ilusão. E se assim fosse, se padecêssemos<br />

de universal ilusão, afirmaríamos alguma coisa de certo, conheceríamos<br />

alguma coisa de certo.<br />

— Como assim, Pitágoras?, perguntou, avidamente, Artur.<br />

— Sim. E' fácil compreender, como já vimos, que nem<br />

tudo pode ser falso, como já o provamos. E também que nem<br />

tudo pode ser ilusório, porque seria ilusória a afirmação de que<br />

tudo é ilusório, pois seria certo que tudo é ilusório e, então,<br />

nem tudo seria ilusório. Afirmar que tudo é verdade ou que<br />

tudo é mentira, é contraditório, já vimos. Do que não há dúvida<br />

é que conhecemos certas verdades.<br />

— Admite, então, você que o homem conhece naturalmente<br />

a verdade?, perguntou Ricardo.<br />

— Sem dúvida, respondeu Pitágoras.<br />

— Então por que há filósofos que duvidam dessas verdades<br />

obtidas espontaneamente? Ninguém deveria duvidar delas.<br />

— Que realmente duvidam, concordo. Duvidam ilusoriamente.<br />

Alguns filósofos negaram a verdade dos princípios<br />

primeiros, mas duvidaram em algumas das suas aplicações.<br />

Excluo naturalmente os cépticos, porque esses teimam sempre<br />

em duvidar.<br />

— Mas se não se podem demonstrar as verdades fundamentais<br />

como se podem, com base científica, aceitar as verdades<br />

derivadas ?,. perguntou Ricardo.

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