FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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42 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Concordo.<br />
— Na verdade toda posição filosófica denuncia uma posição<br />
gnoseológica. Qualquer maneira de considerar filosoficamente<br />
a matéria em exame, testemunha uma maneira de considerar<br />
a validez do nosso conhecimento. Creio que, neste ponto,<br />
todos estamos de acordo, e ninguém irá discordar. Não há<br />
quem não reconheça que o problema crítico tem importância<br />
para o filosofar... — Pitágoras exigia com as- palavras, os<br />
olhos e os gestos uma resposta geral. O assentimento de todos<br />
era evidente, menos de Ricardo, que disse:<br />
— Reconheço que para o filosofar se exige a solução do<br />
problema crítico, do valor gnoseológico. Inegavelmente a filosofia<br />
quer alcançar conhecimentos verdadeiros, legítimos, infalíveis.<br />
— Muito bem, Ricardo. A sua atitude agora é positiva<br />
e muito útil. Reconhece você que o próprio céptico tem a certeza<br />
infalível e verdadeira de que não há nenhuma certeza infalível<br />
nem verdadeira. Não é possível permanecer na pura<br />
negação, pois a pura negação é nada, absolutamente nada. Até<br />
o que nega obstinadamente afirma alguma coisa, porque negar<br />
obstinadamente uma verdade, um legítimo conhecimento é recusar<br />
o conhecimento. Até o céptico tem certezas, pelo menos<br />
a certeza de que não tem certeza» Mas para se ter uma certeza<br />
filosófica, impõe-se uma certeza crítica. Fêz uma pausa e<br />
prosseguiu: — Poderíamos colocar a questão num determinado<br />
ponto: estamos todos certos de que há alguma coisa, e que nós,<br />
sendo ou não uma ficção, somos de certo modo. Temos, pois,<br />
certeza do facto de nossa existência, e prova-o até o estado<br />
mental de nossa pesquisa sobre ela.<br />
— Sim, interrompeu Ricardo, mas em que consiste a certeza?<br />
Não é ela apenas afectiva? E' ela suficiente para demonstrar<br />
alguma coisa?<br />
— Ao lado da certeza, respondeu Pitágoras, temos a dúvida<br />
e a opinião. Na primeira, há o assentimento firme de<br />
nossa mente sem receio de errar. Na dúvida, há esse receio,<br />
e a mente permanece suspensa entre opostos: na opinião, há<br />
adesão da mente, mas com receio de errar.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 43<br />
— Então, na certeza como na dúvida, temos apenas estados<br />
afectivos.<br />
— Há um temor afectivo, mas há um temor intelectual,<br />
do qual se ausenta o afecto. Na dúvida, há simplesmente uma<br />
visão intelectual de possibilidades opostas. O que define a certeza<br />
não é a inclusão, mas a exclusão do temor de errar. Quando<br />
discutimos há pouco, chegamos a algumas conclusões sobre<br />
as quais temos certeza, como a de que nem tudo é mentira nem<br />
tudo é verdade, que há mentira e há verdade. Se Ricardo,<br />
Josias e vocês todos quiserem acompanhar-me, dentro das normas<br />
que regem as nossas discussões, creio que só ganharemos<br />
todos com isso.<br />
— Ninguém está se opondo ao que desejas, Pitágoras,<br />
afirmou Ricardo, com uma voz grave.<br />
— Sei disso. Mas sabemos todos que o momento que abordamos<br />
é grave e difícil, e é preciso que seja palmilhado com<br />
segurança e boa fé. Vou prosseguir, pois. Houve um silêncio<br />
entre todos, e Pitágoras, com lentidão, mas com segurança,<br />
começou a falar assim:<br />
— Os problemas solúveis são os que podem ser resolvidos<br />
por nós, e são legítimos os problemas que não são absurdos.<br />
Se o número das estrelas do céu é par ou ímpar é um problema<br />
legítimo, porque não é absurdo, mas é insolúvel, não em si, mas<br />
por nós. Quando se pergunta pelo valor do conhecimento humano,<br />
precisamos desde logo caracterizar se estamos em face<br />
de um problema legítimo e também solúvel. Que é legítimo<br />
não há dúvida, porque não é absurdo; que é solúvel, conviria<br />
fazer uma distinção. Solúvel em si não pode padecer dúvida.<br />
Solúvel, porém, por nós, é inegável, como o provarei. Para os<br />
cépticos, o valor do nosso conhecimento é negado, permanecendo<br />
eles numa constante dúvida sobre a validez de nossos conhecimentos.<br />
Contudo, já vimos, quando respondi a Josias, que<br />
há verdades as quais alcançamos sem dúvida. Negar a validez<br />
de nosso conhecimento, ou transformar o conhecimento num<br />
problema é estabelecer um pseudo-problema. Perguntar-se se<br />
a razão humana tem valor é um pseudo-problema, porque não<br />
se pode resolver esse problema sem usar-se da própria razão.<br />
O céptico não examina nada sem usá-la, e é fundado na validez