FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Veja bem, Josias. Você não pode negar isso, a não ser<br />
que faça um apelo à loucura, e não terá nenhum valor esse<br />
apelo. Você tem de admitir que todos os universos ficcionais<br />
possíveis se fundamentam em alguma realidade que é absolutamente<br />
real, e sem mescla de nenhuma ficcionalidade.<br />
lecida.<br />
— Sem dúvida... — respondeu Josias, com a voz desfa<br />
— E essa realidade última ou é uma só, ou são várias.<br />
Que acha?<br />
— Não sei — respondeu vacilante.<br />
— Vejamos se é a mesma ou se são muitas. Mas antes<br />
não podemos deixar de aceitar que a realidade absolutamente<br />
sem mescla de ficcionalidade, que é o sustentáculo do que somos,<br />
da qual somos uma ficção, não pode ser outra absolutamente<br />
outra, separada absolutamente de nós, porque somos<br />
sustentados por ela. Neste caso, algo há em nós, à semelhança<br />
dessa realidade, porque, do contrário, como poderíamos ser dela<br />
sem ser dela?<br />
— Aceito.<br />
— E também o mesmo se daria com todos os outros uni<br />
versos ficcionais.<br />
— Também — era um sopro a voz de Josias.<br />
— Então entre todos os universos ficcionais haveria algo<br />
em comum: o terem uma semelhança com a realidade absoluta<br />
que os sustenta. Não é?<br />
— E\<br />
— Neste caso, entre o nosso universo ficcional e os outros<br />
universos ficcionais, também há algo em comum: o sermos à<br />
semelhança do sustentáculo.<br />
Josias concordou apenas com um leve aceno.<br />
— Então, entre o nosso universo e os outros há algo que<br />
identifica, pois o assemelhar-se é uma realidade, uma vez que,<br />
se não há tudo, tudo cairá outra vez. Temos, pois, algo em<br />
comum com os outros.<br />
— Temos.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> :;7<br />
— E qual é o sustentáculo dessa realidade comum? Não<br />
pode deixar de ser senão um mesmo sustentáculo, porque sendo<br />
ficcionais todos esses universos ficcionais, o que os unifica é<br />
à semelhança de algo que é comum a eles, e esse algo, que é<br />
comum a eles, tem de, ser o mesmo, e o mesmo só pode ser o<br />
sustentáculo. Portanto, há um sustentáculo que é o mesmo de<br />
todos os universos ficcionais. Há, pois, uma realidade absolutamente<br />
real, que é o sustentáculo de todos os universos ficcionais.<br />
Não está certo, Josias? — Perguntou Pitágoras com<br />
insistência.<br />
Josias concordou sem força.<br />
E Pitágoras prosseguiu:<br />
— Neste caso, Josias, o nosso universo ficcional, o do<br />
homem, não é absolutamente estanque do universo do mundo<br />
exterior, e havendo entre eles algo em comum, tudo quanto o<br />
constitui, sendo à semelhança do mesmo fundamento, tudo o<br />
que há, tanto num como noutro, tem de ter uma semelhança...<br />
Josias não respondia mais. Havia uma ansiedade em todos.<br />
E Pitágoras continuou:<br />
— ..., portanto, o nosso universo ficcional não pode deixar<br />
de ser ficcional em relação ao mundo real exterior, e, assim<br />
sendo, as nossas ficções não são puras ficções, e deve haver<br />
entre ambos um ponto de realidade comum. Neste caso, o homem<br />
em alguma coisa conhece verdadeiramente o mundo real<br />
exterior. Não é a conclusão inevitável a que chegamos?<br />
Josias baixou a cabeça e desviou o olhar. Não queria responder.<br />
Mas Ricardo interrompeu o silêncio para dizer:<br />
— Seus argumentos são sólidos, Pitágoras. Estão certos.<br />
Há esse fio de realidade que ligaria, então, o mundo ficcional<br />
intelectual do homem com a realidade. Mas não é êle absolutamente<br />
a cópia fiel do outro. Há um ponto em que ambos<br />
se encontram, mas também onde ambos se separam. Não é<br />
nosso dever aceitar com honestidade essa afirmação, Josias?<br />
Josias apenas meneou inexpressivamente a cabeça.