19.04.2013 Views

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

34<br />

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

— Mas nós não seremos, então, puramente nada, mas al­<br />

guma coisa.<br />

— Sim, mas poderíamos ser uma ficção de outra coisa.<br />

— Neste caso, essa outra coisa seria alguma coisa e não<br />

nada, e a sua ficção, se é nada, é nada de ficção. Ela é alguma<br />

coisa de qualquer modo. A ficção é, assim, alguma coisa, uma<br />

presença, e não uma absoluta ausência. Concorda?<br />

— Não poderia deixar de concordar.<br />

— Não sendo a ficção pura e absolutamente nada, é de<br />

certo modo um ser. Não sabemos como seja esse ser, mas sabemos<br />

que não é um puro nada.<br />

— Está certo.<br />

— Ora, sabemos em nosso mundo ficcional què o homem<br />

nem sempre existiu. Houve uma época em que o homem não<br />

era ainda.<br />

— E' uma das nossas ficções.<br />

— Sem dúvida, dentro da maneira em que nos colocamos,<br />

podemos partir dessa afirmativa, a qual nos impede de atribuir<br />

o puro nada à ficção. Nosso mundo pode ser ficcional, e nós,<br />

outras tantas ficções, mas não puros e absolutos nada e, portanto,<br />

ficção de alguma coisa que não é um puro nada. De<br />

qualquer forma, já sabemos que há alguma coisa que é, que nos<br />

antecede, e que não pode ser mera ficção, porque a ficção é<br />

ficção de alguma coisa. Se predicássemos à ficção o ser absolutamente<br />

ficção, nós a transformaríamos num puro nada. Concorda?<br />

— Não posso deixar de concordar.<br />

— Nesse caso, a ficção está a denunciar-nos que há alguma<br />

coisa que a sustenta, e que não pode ser mera ficção.<br />

Josias respirou fundo e com certa dificuldade. Não respondeu<br />

logo. Procurava, sem dúvida, o que responder. Depois<br />

de certo esforço, pronunciou estas palavras:<br />

cemos.<br />

— Sim, deve haver uma realidade, mas nós não a conhe­<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 35<br />

— Não a conhecemos frontalmente, concordo. Terá, contudo,<br />

de admitir que de certo modo a conhecemos.<br />

— Não temos dela uma visão realmente total.<br />

— Aceito. Mas sabemos que há, que há realmente, embora<br />

não possamos discriminar ainda como ela é em sua realidade,<br />

mas sabemos que ela existe realmente, pelo menos.<br />

— Sabemos... — essas sílabas saíram como que balbuciadas.;<br />

:— Neste caso, há certamente uma realidade que não é ficcional,<br />

e que é absolutamente real. E essa realidade é que sustenta<br />

a realidade ficcional do homem e das suas ficções. Discorda<br />

do que afirmo?<br />

— Bem. .., em última análise, deve haver uma realidade,<br />

assim como você diz. Senão, eu teria de afirmar a absoluta<br />

ficcionalidade de tudo.<br />

— E esse outro mundo exterior real, será ficcional<br />

também ?<br />

— Talvez seja a ficção de um outro ser.<br />

— Então teríamos que admitir que a realidade desse mundo<br />

exterior, que é outra que a nossa realidade ficcional, também<br />

se fundamenta em alguma coisa que tem de ser real, porque<br />

se todas as ficções fossem ficções, toda a série seria absolutamente<br />

nada, o que seria absurdo. Portanto, temos de admitir<br />

que todos os mundos ficcionais, que podemos admitir<br />

como possíveis, têm de se fundamentar, em última análise, em<br />

alguma coisa que é, e que é realmente, e não ficcionalmente.<br />

— Tenho de concordar.<br />

— E tem de concordar ainda mais que esse sustentáculo<br />

de todos os universos ficcionais possíveis é absolutamente real,<br />

e sem mescla de ficcionalidade nenhuma, porque qualquer ficcionalidade<br />

que haja, sustenta-se numa realidade última. Não<br />

concorda ?<br />

Josias não respondeu logo. Temia responder, e meditava.<br />

Pitágoras, com energia, prosseguiu:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!