FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Mas nós não seremos, então, puramente nada, mas al<br />
guma coisa.<br />
— Sim, mas poderíamos ser uma ficção de outra coisa.<br />
— Neste caso, essa outra coisa seria alguma coisa e não<br />
nada, e a sua ficção, se é nada, é nada de ficção. Ela é alguma<br />
coisa de qualquer modo. A ficção é, assim, alguma coisa, uma<br />
presença, e não uma absoluta ausência. Concorda?<br />
— Não poderia deixar de concordar.<br />
— Não sendo a ficção pura e absolutamente nada, é de<br />
certo modo um ser. Não sabemos como seja esse ser, mas sabemos<br />
que não é um puro nada.<br />
— Está certo.<br />
— Ora, sabemos em nosso mundo ficcional què o homem<br />
nem sempre existiu. Houve uma época em que o homem não<br />
era ainda.<br />
— E' uma das nossas ficções.<br />
— Sem dúvida, dentro da maneira em que nos colocamos,<br />
podemos partir dessa afirmativa, a qual nos impede de atribuir<br />
o puro nada à ficção. Nosso mundo pode ser ficcional, e nós,<br />
outras tantas ficções, mas não puros e absolutos nada e, portanto,<br />
ficção de alguma coisa que não é um puro nada. De<br />
qualquer forma, já sabemos que há alguma coisa que é, que nos<br />
antecede, e que não pode ser mera ficção, porque a ficção é<br />
ficção de alguma coisa. Se predicássemos à ficção o ser absolutamente<br />
ficção, nós a transformaríamos num puro nada. Concorda?<br />
— Não posso deixar de concordar.<br />
— Nesse caso, a ficção está a denunciar-nos que há alguma<br />
coisa que a sustenta, e que não pode ser mera ficção.<br />
Josias respirou fundo e com certa dificuldade. Não respondeu<br />
logo. Procurava, sem dúvida, o que responder. Depois<br />
de certo esforço, pronunciou estas palavras:<br />
cemos.<br />
— Sim, deve haver uma realidade, mas nós não a conhe<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 35<br />
— Não a conhecemos frontalmente, concordo. Terá, contudo,<br />
de admitir que de certo modo a conhecemos.<br />
— Não temos dela uma visão realmente total.<br />
— Aceito. Mas sabemos que há, que há realmente, embora<br />
não possamos discriminar ainda como ela é em sua realidade,<br />
mas sabemos que ela existe realmente, pelo menos.<br />
— Sabemos... — essas sílabas saíram como que balbuciadas.;<br />
:— Neste caso, há certamente uma realidade que não é ficcional,<br />
e que é absolutamente real. E essa realidade é que sustenta<br />
a realidade ficcional do homem e das suas ficções. Discorda<br />
do que afirmo?<br />
— Bem. .., em última análise, deve haver uma realidade,<br />
assim como você diz. Senão, eu teria de afirmar a absoluta<br />
ficcionalidade de tudo.<br />
— E esse outro mundo exterior real, será ficcional<br />
também ?<br />
— Talvez seja a ficção de um outro ser.<br />
— Então teríamos que admitir que a realidade desse mundo<br />
exterior, que é outra que a nossa realidade ficcional, também<br />
se fundamenta em alguma coisa que tem de ser real, porque<br />
se todas as ficções fossem ficções, toda a série seria absolutamente<br />
nada, o que seria absurdo. Portanto, temos de admitir<br />
que todos os mundos ficcionais, que podemos admitir<br />
como possíveis, têm de se fundamentar, em última análise, em<br />
alguma coisa que é, e que é realmente, e não ficcionalmente.<br />
— Tenho de concordar.<br />
— E tem de concordar ainda mais que esse sustentáculo<br />
de todos os universos ficcionais possíveis é absolutamente real,<br />
e sem mescla de ficcionalidade nenhuma, porque qualquer ficcionalidade<br />
que haja, sustenta-se numa realidade última. Não<br />
concorda ?<br />
Josias não respondeu logo. Temia responder, e meditava.<br />
Pitágoras, com energia, prosseguiu: