FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Mas uma ordem também ficcional.<br />
— Não tanto ficcional assim, Josias, afirmou, com um<br />
sorriso, Pitágoras. Note que aqui já há alguma coisa que se<br />
distingue. O conjunto dos factos é caótico; desses factos ficcionais<br />
que constituem a matéria bruta do nosso conhecimento<br />
e das nossas experiências. Estas se dão numa heterogeneidade<br />
fascinante. Mas nós observamos que, em nosso conjunto de<br />
ficções, há normas que presidem como invariantes dos mesmos,<br />
que nos permitem ordená-los em classificações que são inerentes<br />
a outras, e que nos permitem, afinal, dar uma ordem<br />
unitária desse mundo ficcional, ordem que constitui a base de<br />
toda a nossa ciência, facilitando o fortalecimento do nosso saber<br />
culto. Você não pode negar isso.<br />
— Não nego.<br />
— No meio dessas ficções há uma regularidade impressionante.<br />
As ficções-laranj eiras geram sempre ficções-laranjas,<br />
as ficções-sêres-humanos geram ficções-sêres-humanos, as<br />
ficções-químicas dão combinações ficcionais-químicas regulares,<br />
e assim na física, na matemática, em tudo. . . Não concorda?<br />
— Concordo.<br />
— Há, assim, uma ordem no mundo ficcional do homem.<br />
E o que o homem considera fora de si também oferece a mesma<br />
ordem. Quer dizer, as ficções, que constituem os conceitos e<br />
juízos do homem, correspondem às ficções que constituem o que<br />
parece ser o mundo exterior do homem. Está de acordo?<br />
— Estou.<br />
— Verifica-se, ademais, que o que constitui o corpo humano<br />
é composto de elementos ficcionais-químicos, que correspondem<br />
aos elementos ficcionais-químicos que encontramos nas<br />
pedras, na terra, nas plantas, no ar. Está de acordo?<br />
— Estou. — E acrescentou: — neste ponto, e dentro desse<br />
âmbito, estou.<br />
— Nesse mundo de ficções, o homem não é um outro abso<br />
lutamente outro.<br />
— Não é.<br />
— Desse modo, o seu conhecimento do mundo exterior<br />
ficcional não é total e absolutamente divorciado do mundo fic-<br />
FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 31<br />
cional mental do homem. Há um parentesco tão grande que<br />
se pode afirmar que a natureza ficcional do homem corresponde<br />
à natureza ficcional do que lhe parece ser o mundo exterior<br />
a êle.<br />
— Está certo.<br />
— Resta, então, apenas, saber se há um mundo exterior<br />
real ao mundo exterior que você afirma ser ficcional. Se não<br />
há nenhuma correspondência entre ambos, esse mundo exterior<br />
real, e fora da ficcionalidade, é absolutamente outro que o<br />
mundo da ficcionalidade do homem.<br />
Josias não respondeu. Mas Pitágoras vendo a sua vacilação,<br />
prosseguiu:<br />
— Como então? Se correspondem, há entre o mundo exterior<br />
ficcional e o mundo exterior real uma correspondência<br />
e, consequentemente, uma parte que se repete; ou seja, uma<br />
parte do mundo ficcional humano é o mesmo que o mundo exterior<br />
real. Há, então, alguma verdade no mundo ficcional<br />
humano que corresponde à verdade do mundo exterior real. Do<br />
contrário, há o divórcio absoluto.<br />
Teríamos, nesse caso, duas realidades: a do homem e a<br />
que não é o homem. E entre essas duas realidades, nada haveria<br />
em comum. Um seria absolutamente outro que o seu<br />
oposto. Estaríamos no dualismo. E toda a nossa discussão<br />
se deslocaria para saber se realmente é possível tal dualismo.<br />
Se é possível haver duas afirmações, duas positividades, duas<br />
realidades, sendo cada uma absolutamente diferente da outra.<br />
— Está certo. Prossiga. Quero ver até onde vai, para<br />
responder depois.<br />
— Não concorda você que no mundo ficcional do homem<br />
se verifica que todas as coisas têm entre si algo em comum?<br />
O homem e o animal ficcionais têm em comum algo na animalidade-ficcional,<br />
e os animais com as plantas em serem ficcionais<br />
seres vivos, e assim por diante. Não encontramos um<br />
dualismo absoluto aí. Todas as coisas ficcionais em seu último<br />
fundamento, revelam que têm uma origem comum em um ser<br />
que pode ser chamado com o nome que quiserem por enquanto,