FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
que tem um fundamento na realidade fora do homem, ou, então,<br />
não há nenhuma correspondência.<br />
Josias nada respondeu. Aguardava as palavras de Pitágoras,<br />
que prosseguiu:<br />
— Se tudo quanto o homem constrói intelectualmente<br />
fosse puramente ficcional, e não tivesse correspondência em<br />
nenhum fundamento exterior à mente humana, essa mente<br />
seria, então, alguma coisa absolutamente outra que o mundo<br />
exterior. E, nesse caso, como poderíamos saber que o que a<br />
mente constrói intelectualmente é absolutamente outra coisa<br />
que o que há no meio exterior, sem poder surgir dessa comparação<br />
o divórcio total, o abismo entre os dois? Esse abismo<br />
afirmaria a impossibilidade da comparação, porque se o mundo<br />
exterior ao homem é absolutamente outro que ô que constrói<br />
em sua mente, não haveria jamais possibilidade de comparação<br />
e, consequentemente, seria também impossível afirmar que<br />
há esse absoluto divórcio.<br />
Josias meditava. Como Pitágoras fizera uma pausa, viu-<br />
-se na contingência de falar:<br />
— Está certo. Seria impossível.<br />
— Naturalmente que o seria. Pois, poderíamos saber que<br />
o outro é absolutamente outro, se todo o nosso conhecer é dependente<br />
da estruetura e do funcionar de nossa mente, e tudo<br />
quanto ela produz é ficcional? Nada podemos nesse sentido<br />
afirmar, então. Portanto, a afirmação de que tudo é absolutamente<br />
ficcional em nossa mente é uma afirmação dogmática...<br />
— Bem, pensando desse modo há certo dogmatismo. —<br />
Concedeu Josias.<br />
— Mas, o pior é que sabemos que isso não pode ser assim.<br />
— Como sabemos?<br />
— Sabemos, Josias. E permita que lhe mostre. A nossa<br />
afirmação do divórcio absoluto não tem fundamento nenhum,<br />
e não poderia haver esse divórcio absoluto, mas apenas poderíamos<br />
nos colocar numa posição relativista aqui; ou seja, que<br />
as construções mentais nossas são certamente ficcionais de certo<br />
modo, mas absolutamente ficcionais não podemos afirmar.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 29<br />
— Não podemos afirmar, porque nos é impossível fazer<br />
a comparação com a realidade em si das coisas, pois não podemos<br />
alcançá-las, uma vez que estamos prisioneiros da estruetura<br />
de nossa mente e do seu funcionar.<br />
— Muito bem, Josias. Gostei da sua coerência. Você quer<br />
evitar a pecha de dogmático, e prefere cair num dualismo antinônico<br />
e abissal. Há, assim, dois mundos irredutíveis para<br />
você: o da nossa mente e o mundo fora da nossa mente. Há<br />
duas realidades: a nossa, e a que nos escapa. A que .construímos<br />
do que está fora de nós é, pelo menos, relativamente ficcional.<br />
Não podemos afirmar que é absolutamente ficcional,<br />
porque, para tal afirmarmos, precisaríamos poder compará-las,<br />
o que nos é impossível, como disse você.<br />
— Mas admito que pode dar-se esse divórcio absoluto, esse<br />
abissal de que. você fala. Só que não podemos saber com absoluta<br />
certeza.<br />
— E bem fundadamente também não. E' o que você<br />
aceita.<br />
— E' isso. Mas, voltando ao que disse, onde está o meu<br />
dualismo de que você falou?<br />
— Sem dúvida, há esse dualismo. E podaríamos caracterizá-lo<br />
melhor, se você quiser. Vamos examinar bem este<br />
ponto. Acompanhe-me, pois, nos seguintes raciocínios: nossos<br />
conhecimentos — ficcionais para você — revelam que há uma<br />
ordem, uma coerência entre eles, pois, foi-nos possível construir<br />
um saber culto, uma ciência, uma matemática. Não é?<br />
— Sem dúvida.<br />
— E verificamos, ademais, que os factos, que captamos,<br />
suecedem com certa obediência a constantes, e a fórmulas gerais,<br />
que chamamos comumente de leis.<br />
— Sim, leis que construímos.<br />
— Sem dúvida, mas que correspondem a invariantes desses<br />
factos, que constituem o objeto de nossos conhecimentos. Há<br />
regularidades pasmosas, repetições que não podemos negar, e<br />
que nos permitem classificar e dar uma ordem ao conjunto<br />
dos acontecimentos.