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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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28<br />

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

que tem um fundamento na realidade fora do homem, ou, então,<br />

não há nenhuma correspondência.<br />

Josias nada respondeu. Aguardava as palavras de Pitágoras,<br />

que prosseguiu:<br />

— Se tudo quanto o homem constrói intelectualmente<br />

fosse puramente ficcional, e não tivesse correspondência em<br />

nenhum fundamento exterior à mente humana, essa mente<br />

seria, então, alguma coisa absolutamente outra que o mundo<br />

exterior. E, nesse caso, como poderíamos saber que o que a<br />

mente constrói intelectualmente é absolutamente outra coisa<br />

que o que há no meio exterior, sem poder surgir dessa comparação<br />

o divórcio total, o abismo entre os dois? Esse abismo<br />

afirmaria a impossibilidade da comparação, porque se o mundo<br />

exterior ao homem é absolutamente outro que ô que constrói<br />

em sua mente, não haveria jamais possibilidade de comparação<br />

e, consequentemente, seria também impossível afirmar que<br />

há esse absoluto divórcio.<br />

Josias meditava. Como Pitágoras fizera uma pausa, viu-<br />

-se na contingência de falar:<br />

— Está certo. Seria impossível.<br />

— Naturalmente que o seria. Pois, poderíamos saber que<br />

o outro é absolutamente outro, se todo o nosso conhecer é dependente<br />

da estruetura e do funcionar de nossa mente, e tudo<br />

quanto ela produz é ficcional? Nada podemos nesse sentido<br />

afirmar, então. Portanto, a afirmação de que tudo é absolutamente<br />

ficcional em nossa mente é uma afirmação dogmática...<br />

— Bem, pensando desse modo há certo dogmatismo. —<br />

Concedeu Josias.<br />

— Mas, o pior é que sabemos que isso não pode ser assim.<br />

— Como sabemos?<br />

— Sabemos, Josias. E permita que lhe mostre. A nossa<br />

afirmação do divórcio absoluto não tem fundamento nenhum,<br />

e não poderia haver esse divórcio absoluto, mas apenas poderíamos<br />

nos colocar numa posição relativista aqui; ou seja, que<br />

as construções mentais nossas são certamente ficcionais de certo<br />

modo, mas absolutamente ficcionais não podemos afirmar.<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 29<br />

— Não podemos afirmar, porque nos é impossível fazer<br />

a comparação com a realidade em si das coisas, pois não podemos<br />

alcançá-las, uma vez que estamos prisioneiros da estruetura<br />

de nossa mente e do seu funcionar.<br />

— Muito bem, Josias. Gostei da sua coerência. Você quer<br />

evitar a pecha de dogmático, e prefere cair num dualismo antinônico<br />

e abissal. Há, assim, dois mundos irredutíveis para<br />

você: o da nossa mente e o mundo fora da nossa mente. Há<br />

duas realidades: a nossa, e a que nos escapa. A que .construímos<br />

do que está fora de nós é, pelo menos, relativamente ficcional.<br />

Não podemos afirmar que é absolutamente ficcional,<br />

porque, para tal afirmarmos, precisaríamos poder compará-las,<br />

o que nos é impossível, como disse você.<br />

— Mas admito que pode dar-se esse divórcio absoluto, esse<br />

abissal de que. você fala. Só que não podemos saber com absoluta<br />

certeza.<br />

— E bem fundadamente também não. E' o que você<br />

aceita.<br />

— E' isso. Mas, voltando ao que disse, onde está o meu<br />

dualismo de que você falou?<br />

— Sem dúvida, há esse dualismo. E podaríamos caracterizá-lo<br />

melhor, se você quiser. Vamos examinar bem este<br />

ponto. Acompanhe-me, pois, nos seguintes raciocínios: nossos<br />

conhecimentos — ficcionais para você — revelam que há uma<br />

ordem, uma coerência entre eles, pois, foi-nos possível construir<br />

um saber culto, uma ciência, uma matemática. Não é?<br />

— Sem dúvida.<br />

— E verificamos, ademais, que os factos, que captamos,<br />

suecedem com certa obediência a constantes, e a fórmulas gerais,<br />

que chamamos comumente de leis.<br />

— Sim, leis que construímos.<br />

— Sem dúvida, mas que correspondem a invariantes desses<br />

factos, que constituem o objeto de nossos conhecimentos. Há<br />

regularidades pasmosas, repetições que não podemos negar, e<br />

que nos permitem classificar e dar uma ordem ao conjunto<br />

dos acontecimentos.

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