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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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26 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

desfalecida de nós mesmos. O nosso mundo exterior é apenas<br />

um reflexo imperfeito de nós mesmos. Foi isso que você disse.<br />

E disse com convicção, com veemência, com certeza, como um<br />

dogma, como uma verdade pura você indiscutível, e sobre a<br />

qual não paira nenhuma dúvida.<br />

Josias resmungava alguma coisa. Olhou para todos, e notou<br />

que havia na maioria uma aprovação muda às palavras de<br />

Pitágoras, embora em Paulsen e Kicardo se notasse um desejo<br />

de que respondesse, de modo a evitar a maneira como Pitágoras<br />

havia colocado as suas palavras. A pausa de Pitágoras era<br />

uma atitude de combatente digno e nobre. Êle dava oportunidade<br />

ao adversário para realizar também o seu golpe. Esperava<br />

as palavras de Josias:<br />

— Já sei o que você quer. Quer colocar-me na posição<br />

de haver afirmado uma verdade, de que há alguma coisa que<br />

não é ficcional para mim, que seria, nesse caso, a afirmação<br />

pura e simples de que tudo quanto o homem constrói é ficcional.<br />

— Mas foi você que afirmou isso dogmàticamente. . .<br />

— Afirmei de certo modo, apenas. Essa verdade — e sublinhou<br />

com asco essa palavra — é apenas uma convicção minha.<br />

Eu estou convencido, eu, de que tudo quanto sabemos<br />

é ficcional, eu... Não afirmei que fora de mim tudo é ficcional,<br />

mas para mim e para o homem geral, o que êle constrói<br />

é ficcional.<br />

— Mas, caro Josias, por favor, sigamos a linha prometida,<br />

e responda-me apenas dentro das nossas normas. Tudo quanto<br />

o homem intelectualmente constrói é ficcional ou não?<br />

— E\<br />

— Então, a sua afirmação de que tudo é ficcional também<br />

o é, porque é uma realização intelectual do homem?<br />

— Sim, é ficcional também.<br />

— Quer, então, afirmar que no mundo exterior ao homem<br />

não há ficções, ou que as há?<br />

— Deve havê-las, porque não é o homem o único ser inteligente.<br />

Os animais também constroem ficções. O mundo do<br />

cão é outro que o nosso, é uma coisa feita por êle...<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 27<br />

— ... uma res ficta...<br />

— Seja. E fui bem claro, e todos podem afirmar que não<br />

quis fugir ao sentido de minhas palavras: o mundo do homem<br />

é o mundo feito pelo homem. E' uma res ficta, para usar suas<br />

palavras, o mundo. Quando afirmamos que tudo quanto construímos<br />

intelectualmente é uma res ficta, essa nossa afirmação<br />

não se exclui da ficcionalidade de nossa mente.<br />

— Mas isso então é uma verdade para você.<br />

— E' relativamente a mim mesmo. Se é em si mesma,<br />

fora de mim, não sei.<br />

— Nesse caso, admite que pode haver um erro em sua<br />

afirmação dogmática.<br />

— Admito.<br />

— Que, por exemplo, tudo poderia ser diferente. E esse<br />

ficcionalismo ser apenas um erro seu.<br />

— Pode ser...<br />

— Mas nós gostaríamos de buscar certezas e evidências.<br />

E nessa situação em que você se coloca, nada adiantamos. Não<br />

seria preferível que nós dois, como bons amigos, e bem fundados<br />

em nossas regras, procurássemos juntos uma solução?<br />

— Estou pronto a fazer o que me pede.<br />

— Aceita que eu tome o papel de interrogante, e garante<br />

que me responderá, seguindo fielmente as perguntas?<br />

— Pode começar.<br />

— Estamos, pois, ante um dilema; ou tudo quanto o homem<br />

constrói intelectualmente é ficção, ou nem tudo é ficção.<br />

Não é isso?<br />

— E\<br />

— Se tudo é ficção, todas as suas verdades são apenas<br />

ficções.<br />

— São ficções.<br />

— E a correspondência que tenham com a realidade exterior<br />

pode ser de duas maneiras: ou há uma correspondência

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