FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
248 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Esta constante do pensamento grego teve em Pitágoras<br />
de Samos a sua expressão culta, filosófica. Este mundo, o mundo<br />
fenomênico, é uma cópia do outro. As coisas imitam o ser,<br />
e são o que as formas puras são em si mesmas. E como entre<br />
este mundo, que é explicativo, e o outro, que é implicativo, ou<br />
em outras palavras, como este mundo imita o outro, há entre<br />
ambos algo em comum, pois como o imitante poderia imitar o<br />
inimitável? Para imitar, é imprescindível que o imitante imite<br />
o imitável.<br />
— E' claro, afirmou Artur.<br />
— Deste modo, o mundo dos fenómenos é a imitação do<br />
mundo das formas. E como toda imitação é uma cópia, e como<br />
esta não pode ser idêntica ao copiado (pois, do contrário, seria<br />
a mesma coisa), este mundo, o fenomênico, não é aquele em<br />
toda a sua pujança, mas apenas uma acomodação deste àquele,<br />
ou, seja, o mundo fenomênico repete, de certo modo, o outro,<br />
porém na proporção da imitabilidade activa do imitante. E se<br />
tal se dá entre um e outro há algo que os unifica. Em Heraclito,<br />
é o Logos, que unifica todas as coisas, e também o que<br />
dá a razão comum entre o que flui constantemente, que é o<br />
mundo fenomênico, e o que permanece eterno, que é o mundo<br />
das formas. Por isso, os deuses são imortais, e as coisas fenomênicas<br />
mortais. Aqueles não se corrompem, mas estas se corrompem<br />
e podem ter outras formas.<br />
Pitágoras, filosoficamente, expunha, pois, que o mundo dos<br />
fenómenos, copiando o mundo das formas eternas, tinha algo<br />
em comum com aquele. Em palavras platónicas: participava<br />
daquele.<br />
Ora, como pode o participante participar do participado,<br />
senão no que é participável por êle? O que é participável é<br />
algo que êle tem, proporcionado à sua natureza. E o grau<br />
dessa participação permitiria uma classificação hierárquica<br />
dos seres. E como essas formas eternas são perfeitas, será<br />
mais perfeito o ser que mais intensamente participar do que<br />
é participável do participado.<br />
Vê-se deste modo que o pensamento de Pitágoras antecedeu<br />
ao de Platão e ao de Aristóteles, e os incluía. Para aquele,<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 24â<br />
o plano das coisas sensíveis imita as que pertencem ao plano,<br />
das ideias ou formas. O nosso conhecimento começa não apenas<br />
pelos sentidos. Estes dão os factos brutos, que são assimk<br />
lados aos esquemas, o que permite, com a formação destes, qu^<br />
se construam novos esquemas. A obra de Aristóteles é valiosa,<br />
porque permitiu uma valoração mais justa da empíria, enquanto<br />
a de Platão, por sua valoração também justa das formas<br />
e das ideias, não o é menos. Mas ambas estão sujeitas?<br />
a exageros, a ponto de se construírem visões abstractistas, o<br />
que Pitágoras desejava evitar, e o fazia com a sua concepção,<br />
embora muitos pitagóricos se tenham desviado das lições do<br />
mestre e caído nos abstractismos mais exagerados.<br />
— Então, não há dúvida de que Platão era um pitagórico?,<br />
perguntou Ricardo.<br />
— Certamente. E, para mim, o maior dos pitagóricos.<br />
— E por que Platão nunca o confessou?, perguntou RL<br />
cardo.<br />
— Por uma razão muito simples: o pitagorismo estava<br />
fora da lei, era uma doutrina considerada herética por muitos,<br />
e combatida por todos os senhores daquela época, porque, como<br />
você sabe, os pitagóricos queriam alertar os povos contra 05<br />
falsos profetas, os maus políticos, que demagogicamente expio,<br />
ram a ignorância das massas. E como pregavam que só o sa.<br />
ber, a inteligência e a ciência devem governar o mundo, 0%<br />
astuciosos sem saber, sem inteligência e sem ciência não po.<br />
deriam gostar de tais ideias, e desejosos de conservar o seu<br />
poder sobre as massas, procuravam, por todos os meios, afãs.<br />
tar os pitagóricos, lançando sobre eles todas as calúnias pos.<br />
síveis, as mesmas que sempre lançaram todos sobre os seus<br />
adversários. Diziam que eram inimigos dos deuses, que que.<br />
riam explorar as massas, dominá-las a seu proveito, e até qu^<br />
comiam crianças assadas.<br />
Ricardo riu, e disse:<br />
— Como se dizia até dos judeus...<br />
— Dos judeus e dos maçons, e de todos os adversários.<br />
«51