FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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238 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Pois bem, se a nossa sensibilidade sofre modificações,<br />
provocadas pelos estímulos exteriores, é que a nossa sensibilidade<br />
está contida numa razão que implica a fase de ser impressa<br />
e de imprimir, pois a impressão implica as duas fases<br />
do mesmo processo. Se algo do mundo exterior realiza um<br />
estímulo em nós, é que, em nós, há algo estimulável pelo que<br />
é exterior. Portanto, entre o que há em nós, e o que há no<br />
exterior, não é um abismo inflanqueável, mas distintos, que<br />
têm um ponto de encontro na mesma operação; são, pois, partes<br />
que actuam na mesma operação. Está claro?<br />
— Está.<br />
— Ora, nesse caso, a operação implica os antecedentes,<br />
que são seus elementos, pois sem um e outro, ela não se daria.<br />
Assim, o facto exterior, em si só, é apenas um possível, um<br />
cognoscível, um estimulável. Impõe-se que haja o que pode<br />
sofrer o estímulo, para que este se dê. Portanto, a realidade<br />
do conhecimento implica a realidade do cognoscente e do cognitum.<br />
Assim como a realidade de uma relação é proporcionada<br />
aos termos relacionantes, pois sem estes não há relação, a realidade<br />
do conhecimento é proporcionada à realidade do cognoscente<br />
e do cognitum, sem os quais o conhecimento não se dará.<br />
Estou fazendo-me compreender bem?<br />
— Está, Pitágoras, respondeu Artur.<br />
— O cognoscente, enquanto tal, é apto a conhecer. O<br />
cognitum, enquanto tal, é apto a ser conhecido, é conhecível ou<br />
cognoscível. Mas o conhecimento só se dá quando ambos são<br />
elementos reais de uma mesma operação.<br />
— Tudo bem claro, Pitágoras, afirmou Ricardo.<br />
— Dessa forma, prosseguiu êle, o conhecimento exige dois<br />
antecedentes ontológicos, duas razões, para falar uma linguagem<br />
mais clássica: a do cognoscente e a do cognitum. Mas o<br />
cognitum é o cognitum do cognoscente, e o cognoscente é o<br />
cognoscente do cognitum. Ora, estamos então em face*de opostos<br />
relativos, em que a realidade funcional de um depende da<br />
realidade funcional do outro; assim como a relação de paternidade<br />
implica a de filiação, pois o pai é pai do filho, e o filho<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 289<br />
é filho do pai, bem como o senhor é senhor do escravo e o<br />
escravo é escravo do senhor. Sem a escravidão, não há senhor<br />
nem escravo; sem a paternidade não há pai nem filho. Também<br />
sem conhecimento não há cognoscente nem cognitum. E,<br />
vice-versa, não há cognoscente em acto sem um cognitum, pois<br />
o que conhece, conhece quando conhece. Está certo?<br />
— Muito bem. Tudo claro e certo, Pitágoras, afirmou<br />
Ricardo com o apoio de Artur.<br />
— Mas como pode o pai ser pai do filho sem antes poder<br />
ser pai do filho? E como pode alguém ser filho do pai sem<br />
antes poder ser filho? Deve haver antes alguma coisa que<br />
possa ser o que vem a ser. Nada se poderia fazer sem que<br />
alguma coisa seja possível. A possibilidade de ser feito implica<br />
o que pode fazer, sem dúvida, não é?<br />
— E', responderam ambos ao mesmo tempo.<br />
— Como poderia um ser conhecer sem possibilidade de<br />
conhecer ?<br />
— Não há dúvida que tinha de ter tal possibilidade.<br />
— Mas, vemos que entre as coisas que há, é o ser sensível<br />
que tem possibilidade de ter o conhecimento sensível, enquanto<br />
o ser insensível não a tem.<br />
— E' isso mesmo, ratificou Artur.<br />
— Nesse caso, vemos que há a imposição da presença de<br />
algo antes de se dar em acto o possível. Por que pode conhecer<br />
o ser sensível sensivelmente as coisas? Porque tem um<br />
sistema de sensibilidade. Não é isso?<br />
— Sem dúvida, confirmou Ricardo.<br />
— Uma pedra não pode conhecer sensivelmente. E por<br />
que? Porque não dispõe previamente da sensibilidade.<br />
— Tudo certo, apoiou Artur.<br />
— Ora, o homem conhece sensivelmente porque tem uma<br />
esquemática sensória, que lhe permite sofrer modificações estimuladas<br />
por factos exteriores.