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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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24 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

diálogo, conduzido em ordem, tal não acontece. Deixa de ser<br />

um combate para ser uma comparação de ideias. Um sentido<br />

culto domina aí. Não é mais o bárbaro lutador, mas o homem<br />

culto que se enfrenta com outro, amantes ambos da verdade, em<br />

busca de algo que permita compreender melhor as coisas do<br />

mundo e de si mesmo.<br />

— Julgam vocês, então, que por esse caminho acabarão<br />

por pilhar com a verdade nalguma esquina? Bonita esperança<br />

!...<br />

— Mas, que deseja mais o homem que a verdade? — perguntou<br />

Artur, um jovem estudante que fora admitido naquela<br />

roda.<br />

— Vão desejo — respondeu Josias — vaníssimo desejo.<br />

O homem considera como verdade apenas aquilo sobre o que<br />

não lhe cabe nenhuma dúvida, aquilo sobre o que êle concorda<br />

sem vacilações. Mas, para outro não é assim. A verdade é<br />

apenas subjectiva; é a certeza de uma verdade, e não a verdade<br />

de uma certeza...<br />

— Você sabe muito bem, Josias, que não se entende a verdade<br />

apenas desse modo. Essa é a verdade psicológica. Mas<br />

há outras: há a lógica, a metafísica, a ontológica...<br />

— Sei... sei — Josias interrompeu Pitágoras com uma<br />

vivacidade que impressionava. Mas o que afirmo, Pitágoras,<br />

é que o homem não está apto a alcançar a verdade como esplendor<br />

do ser, como você costuma chamar. Tudo quanto construímos,<br />

nossos conceitos, nossos juízos, nossos raciocínios, nossos<br />

conhecimentos são apenas espelhismos de nós mesmos. No<br />

fundo, o que vemos nas coisas somos nós mesmos. O mundo<br />

para nós é como o lago onde se debruçava Narciso. O que via<br />

era a sua própria imagem. O mundo é apenas uma imagem<br />

mal imitada de nós mesmos. O que pensamos, julgamos, são<br />

criações nossas apenas, que são fiéis ao que somos, mas que<br />

nada têm que ver com a realidade que há fora de nós. Na<br />

verdade, o homem é um emparedado em suas ideias, e a sua<br />

libertação equivale ao sonho de um prisioneiro, e nada mais.<br />

Todo o nosso conhecer e todas as nossas operações mentais<br />

constroem apenas ficções sobre a realidade que há fora de nós.<br />

Nossos pensamentos em nada correspondem à realidade.<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 2r><br />

Era tão intenso o entusiasmo de Josias que ninguém interrompeu<br />

as suas palavras. Pitágoras tinha um sorriso cheio<br />

de amizade. Sabia-se que discordava de Josias, mas havia uma<br />

simpatia tão evidente em seu rosto que contaminava a todos,<br />

e mesmo quando discordássemos de Josias não provocava êle<br />

em nenhum de nós ò mínimo desgosto. Assim como Pitágoras<br />

parecia alegrar-se com as suas palavras, uma satisfação quase<br />

igual inundava também os nossos corações. Era o que se percebia<br />

no rosto de todos. Foi quando Pitágoras disse:<br />

— Eis um bom tema para uma análise, Josias. Você ofereceu<br />

matéria, que, creio, é ótima para todos, não é? — Houve<br />

um assentimento geral, e Pitágoras prosseguiu ante o silêncio<br />

de Josias: — Que acha você, se iniciássemos um diálogo dentro<br />

das nossas regras, sobre esse assunto?<br />

— Que assunto?<br />

— Ora, Josias, você não negou ao homem um conhecimento<br />

do mundo exterior? Não reduziu todo o seu saber a um<br />

ficcionalismo geral, afirmando que o mundo exterior nada mais<br />

é que uma imagem torpe de si mesmo, como a imagem desfalecida<br />

que as águas paradas dão do rosto de Narciso?<br />

— Foi.<br />

— Pois então? Temos aí um tema bem interessante, e<br />

que pode servir também de pento-de-partida para muitas análises<br />

futuras. Trata-se de saber qual o valor do nosso conhecimento.<br />

Você estabeleceu uma tese bem dogmática...<br />

— Dogmática? — Perguntou Josias com veemência.<br />

— Sim, bem dogmática. E' sempre difícil, Josias, que<br />

não caiamos no dogmatismo, por mais receio que haja de fazer<br />

afirmações decisivas. Mas você cometeu o erro de que acusa<br />

os outros: o dogmatismo.<br />

— Que dogmatismo, Pitágoras... qual nada!<br />

— Suas afirmações foram dogmáticas, Josias. Você deu<br />

um dogma, porque você sabe que todo nosso conhecimento é<br />

ficcional. Você sabe, sem a menor dúvida, sem vacilações, que<br />

o que conhecemos do mundo exterior é apenas uma imagem

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