FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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236 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
meia volta, e terminam por negar o que afirmaram, caindo em<br />
contradições e, sobretudo, em incongruências lamentáveis. Se<br />
há uma actividade cognoscitiva do homem, que se processa, partindo<br />
da empíria e já que esta está justificada, e é verdadeira<br />
dentro das suas proporções, tudo o mais, que tiver fundamento<br />
real, nela é verdadeiro também. Mas não é no ponto de partida,<br />
onde há divergências; é no percorrer da via e no ponto<br />
de chegada. São como corredores que partem no mesmo instante,<br />
mas que se distanciam pouco a pouco, em que alguns<br />
ficam no meio do caminho, cansados, vencidos, e poucos alcançam<br />
a meta final.<br />
— Para as minhas convicções, Pitágoras, a posição aristotélica<br />
é de meu agrado. E julgo que o seu ponto-de-partida<br />
é o melhor. Porque, na verdade, o homem é um animal, e,<br />
portanto, um ser vivo com sensibilidade. E este é o ponto de<br />
partida do seu conhecimento. Que acha você, Artur?<br />
— Prefiro ainda calar-me, respondeu este. Gostaria que<br />
Pitágoras prosseguisse mais adiante, para depois externar as<br />
minhas opiniões.<br />
Ricardo tem boa base no que diz. Realmente o homem,<br />
como animal, é um ser vivo com sensibilidade, e seu conhecimento<br />
inicia-se por aí. Mas, assim como os corredores têm<br />
um ponto de partida para iniciarem a sua carreira, alguma<br />
coisa se impõe que haja antes dela começar, pois, do contrário,<br />
não haveria carreira, e o que há antes são os corredores com sua<br />
esquemática neuro-muscular, sem a qual como haver seres que<br />
corram?<br />
— Não compreendi bem onde quer chegar, Pitágoras, interveio<br />
Ricardo.<br />
— E' simples. O homem é um animal, porque é um ser<br />
vivo com sensibilidade, para usarmos uma velha definição.<br />
Mas, sem essa sensibilidade, não poderia experimentar o conhecimento.<br />
Ela, de certo modo, antecede ao conhecimento.<br />
Como poderia êle receber os estímulos do mundo exterior se<br />
não tivesse os meios de recebê-los? E para recebê-los é imprescindível<br />
um recipiente, ou melhor a capacidade de recebê-los.<br />
Como os seres do mundo exterior não são incorporados<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> U:Í7<br />
ao organismo quando este conhece, mas apenas tal se dá por<br />
modificações do sensório-motriz, é imprescindível que este seja<br />
apto a sofrer tais modificações. E a modificação A corresponderá<br />
ao estímulo A-l, e B ao estímulo B-l, e assim sucessivamente.<br />
E' mister, pois, que se dê alguma coisa antes da<br />
experiência, para que a experiência seja possível. Se se disser<br />
que toda a esquemática do sensório-motriz tem a sua origem<br />
na experiência, então sempre teremos algo antes da experiência,<br />
para que haja a experiência. A anterioridade é imprescindível,<br />
a anterioridade de alguma coisa para que alguma coisa<br />
se dê. Ora, no conhecimento, e aqui já penetramos no reino<br />
do conhecimento para Platão (pois este afirmava que só o semelhante<br />
conhece o semelhante, ou, seja, entre o que conhece<br />
e o que é conhecido), é preciso que haja uma razão de semelhança;<br />
que entre ambos algo em comum se dê, e esse algo<br />
em comum tem que, necessariamente, anteceder de modo ontológico<br />
à experiência.<br />
— Pitágoras, quer explicar-me melhor esse ponto-de-vista ?,<br />
pediu Ricardo.<br />
— Farei o que me é possível, dentro das minhas forças.<br />
Vamos tentar. Se houver entre dois seres um abismo inflanqueável,<br />
esses dois seres não poderão manter qualquer contacto<br />
entre si. Se mantêm qualquer contacto, é que entre ambos não<br />
há um abismo inflanqueável, mas uma distância apenas, e de<br />
modo que se pode vadear. Se o homem capta estímulos do<br />
mundo exterior; ou, melhor, se a nossa sensibilidade é sensível<br />
à luz, pode receber impressões dela, ou sofrer modificações que<br />
lhe são proporcionadas, é que, entre a nossa sensibilidade e a<br />
luz, não há um abismo inflanqueável. E como se poderia captar<br />
o absolutamente diferente, se nada temos que o possa conter?<br />
E se algo o pode conter, é que entre continente e conteúdo<br />
há um mesmo nexo, que se manifesta nas fases da<br />
contenção.<br />
— Bem, até aí está tudo bem claro. Pode prosseguir,<br />
Pitágoras. Concorda comigo, Artur?, perguntou Ricardo.<br />
— Concordo. Tudo claro.