FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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232 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
deixo possuir por elas, mas as possuo, e porque as possuo<br />
posso perfeitamente delas me desfazer quando quiser. Jamais<br />
coloquei minha dignidade nas ideias que esposo. Não temo<br />
modificar minhas opiniões, porque ao modificá-las não deixo<br />
de ser o que sou. Eu não sou as minhas ideias; elas é que são<br />
minhas ou deixam de o ser.<br />
— Assim também é o meu pensamento, ajuntou Artur.<br />
Também sou assim.<br />
— E assim é que se deve ser, corroborou Pitágoras.<br />
— Mas nunca se deve também transformar essa liberdade<br />
em justificação da incoerência, como alguns fazem, que hoje<br />
afirmam o que negam amanhã, para afirmar outra vez depois<br />
de amanhã. Vítor, por exemplo, não sabe o que é. Suas ideias<br />
não resistem a uma análise, como não resistem também as de<br />
Josias e Paulsen, que são cópias das mais absurdas que<br />
avassalam a filosofia moderna. Até grandes filósofos tiveram<br />
debilidades tremendas, e cometeram erros de pasmar. Mas<br />
uma coisa é errar accidentalmente, e outra errar substancialmente,<br />
e até sistematicamente. Josias quer errar sistematicamente.<br />
No íntimo, êle não é nada do que diz. Seu pessimismo<br />
é resultado de uma frustração. Se tivesse tido outras oportunidades<br />
na vida, e outra vontade, teria ideias totalmente diferentes.<br />
Êle é possuído pelas ideias e não as possui.<br />
— Pois aqui está um ponto, Pitágoras, que me leva a fazer-lhe<br />
algumas perguntas importantes. Você me prometeu<br />
falar um dia sobre Pitágoras, não você, mas o grego. E agora<br />
quero cobrar-lhe essa dívida, disse Ricardo a sorrir. Artur,<br />
desde logo, manifestou um contentamento invencível, e corroborou<br />
:<br />
— Isso, Pitágoras! Agora chegou a nossa vez.<br />
— Meus amigos, não me peçam que lhes fale muito, porque<br />
teria muito que falar, mas que pelo menos diga alguma<br />
coisa sobre um filósofo, o menos compreendido e o mais mistificado<br />
em todos os tempos. Razão tinha Gomperz ao dizer<br />
que Pitágoras era uma das figuras mais características que a<br />
Grécia, e talvez o mundo, tenha produzido, ou como disse Glotz,<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 2:\:\<br />
em sua famosa "História Antiga", génio único na história, um<br />
iluminado de uma ciência prodigiosa e de uma indomável energia.<br />
No entanto, ante os gregos que lhe sucederam e através<br />
dos tempos até nossos dias, foi êle vítima de todas as caricaturas,<br />
de todas as mistificações, sobretudo aquelas que são as<br />
mais antipáticas, as realizadas pelos que se intitularam seus<br />
discípulos. Pitágoras era grande demais há vinte e cinco séculos,<br />
e ainda o é hoje. Esse foi o seu pecado. Com êle nasce<br />
a filosofia grega, fundamento da filosofia medieval e da moderna.<br />
Na verdade, tudo quanto veio depois foi uma consequência<br />
do que êle estabeleceu.<br />
— Pitágoras, em suas palavras há várias teses que você<br />
propõe e terá que provar. De minha parte, não nego valor<br />
ao sábio de Samos, mas creio que é mais a sua paixão que fala.<br />
Contudo, confesso, se até aqui tinha fome de conhecer Pitágoras,<br />
agora tenho sede também, uma sede alucinada. Custe<br />
o que custar, embora me custe a noite, você há de me provar<br />
o que diz, disse com energia serena Ricardo, enquanto Artur<br />
torcia com nervosismo as mãos. Pitágoras sorria, e começou<br />
a falar deste modo:<br />
— Ricardo, não espere que uma noite seja suficiente para<br />
abordar a vida e a obra de um homem cujos fastos estão imersos<br />
na lenda, e cujos trabalhos se perderam. A obra de reconstituição<br />
do pensamento pitagórico é façanha de um Cuvier, e<br />
exige tamanhas precauções, exames e confrontações, a disposição<br />
de um método tal, que seria impossível descrever todas<br />
as peripécias desse trabalho, as normas que o presidiram, as<br />
marchas e contramarchas que foram realizadas, e, sobretudo,<br />
a justificação do método empregado para obter os resultados<br />
alcançados. Não me exija tudo isso, porque não poderei fazê-lo,<br />
nem numa nem em muitas noites. Peça-me apenas, e é<br />
o que poderei fazer, um panorama geral desse pensamento, para<br />
que se possa compreender o significado de Pitágoras, o verdadeiro<br />
significado, que infelizmente tem sido ocultado por quase<br />
todos os que se dedicaram a estudar as doutrinas que lhe foram<br />
atribuídas, falsificando-as de tal modo, que muitos as apresentam<br />
de modo ridículo, porque não conseguiram entendê-las.