FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Para mim» sem dúvida, Kant ignorava essa solução. Ora, sabe-se<br />
que, no tocante às sensações, êle, no início, fundou-se<br />
apenas na teoria cartesiana, e nunca abordou a escolástica.<br />
Estou cert° de Q ue Kant ignorava quase totalmente a obra dos<br />
escolásticos. O que êle conhecia era a síntese falha realizada<br />
por seu m es t r e Wolf, e pelas informações através de Descartes<br />
e Leibnitz» Q ue íl conheciam tanto como êle.<br />
Djga-me uma coisa: você aceita, ou não aceita, os juízos<br />
sintétí cos a priori?, perguntou Ricardo.<br />
Se r i a demasiado longo examinar aqui esse ponto, Ricardo.<br />
Na verdade todo o sistema kantiano está pendente de<br />
tais juízos- Kant não conseguiu eficazmente provar que eles<br />
se dêem. E por essa razão todo o seu sistema vacila.<br />
Quer me provar o que diz?, solicitou Josias.<br />
pois não. Que entende Kant por conhecimento a priori?<br />
Para êle é o que não é gerado apenas da experiência, e sim<br />
o que é gelado apenas pela mente. Em sua obra, êle realmente<br />
prova que nao é gerado apenas pela experiência, mas não prova<br />
que é apenas gerado pela mente. E como êle não admite<br />
um meio termo entre a origem da experiência e a origem da<br />
mente, já Q ue êle não admite que parte do conhecimento venha<br />
da experiência e parte da mente, como é a solução aristotélico-escolástica,<br />
como êle não trata senão daqueles dois modos,<br />
êle não prova de modo suficiente a sua tese. Para êle uma<br />
intuição S em sensibilidade é cega, e uma cognição cega nada<br />
conhece, é nada. E como se faria a síntese entre sujeito e<br />
predicado? Não é feita pelas categorias? E se as categorias<br />
não são representativas, não são elas vazias de objectividade?<br />
Como poderia, então, o que é obscuro para a mente clarear a<br />
própria ríi en te?<br />
Não diz Kant que os juízos sintéticos a priori não podem<br />
ser aplicados senão aos fenómenos? Neste caso, segundo a<br />
sua dialéctica transcendental, tais juízos não têm nenhum valor,<br />
quando aplicados fora dos fenómenos. Consequentemente,<br />
por meio deles, nada podemos concluir sobre a natureza, sobre<br />
os caracteres dos noumenos. Mas Kant não pode negar que<br />
há uma heterogeneidade dos fenómenos. Portanto, há uma he-<br />
FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> NEGAçAo '.','.'.!><br />
terogeneidade dos noumenos. Desse modo, os noumenos imo<br />
são totalmente incognoscíveis, e, consequentemente, cai por I rira<br />
a impossibilidade da metafísica. Poder-se-iam ainda alinhar<br />
muitos outros argumentos, e estes já os dei anteriormente, »«,<br />
ademais, há a obra dos metafísicos, dos grandes metafísicos,<br />
para responder definitivamente a tais argumentos. A colocação<br />
que Kant fêz da metafísica, que nunca foi por êle devidamente<br />
entendida, levou-o fatalmente ao agnosticismo, e não<br />
pôde afinal fugir do cepticismo nem conseguiu livrar-se do<br />
idealismo que desejava combater, nele caindo por força da sua<br />
própria crítica.<br />
— Conclui, então, você, Pitágoras, que não é a nossa mente<br />
que impõe os conceitos à natureza, mas a natureza que os<br />
impõe à mente. E' isso?, perguntou Ricardo.<br />
— Parece-me que fui tão claro quanto era possível. Os<br />
conceitos formados pela mente são, na teoria aristotélico-escolástica,<br />
produtos de uma abstracção total e de uma abstracção<br />
formal, fundados, portanto, na experiência. Mas não se pode<br />
negar a influência da mente, por sua vez, na formação dos mesmos.<br />
Prometi-lhes falar sobre Pitágoras de Samos e, quando<br />
o fizer, prometo ainda mostrar-lhes como isso se dá para êle,<br />
cuja doutrina já sintetizava, com antecedência, o que se afirmou<br />
depois ser o genuíno platonismo e o genuíno aristotelismo.<br />
— Não esquecerei a promessa, já disse.<br />
Logo após essas palavras, e por ser muito tarde, muitos<br />
se retiraram. A reunião ficou desfeita. Ricardo fêz questão<br />
de acompanhar Pitágoras, e também Artur. Depois de se despedirem<br />
dos amigos, seguiram juntos.