FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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218 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Sem dúvida. Não o nego. Mas os esquemas abstractos,<br />
que construímos, são esquemas de esquemas, esquemas fundados<br />
no que já temos da nossa experiência, e é aí que se dá<br />
o fundamento objectivo em grande parte da actividade metafísica<br />
do homem. Platonicamente, chegamos à conclusão de<br />
que há a triangularidade, e que esta é um ser que se dá fora<br />
dos triângulos, porque há triângulos, e nenhum deles é a triangularidade,<br />
mas apenas a imita. Estas três linhas, que estão<br />
aqui, imitam a triangularidade, porque a razão geométrica, que<br />
elas realizam, é uma cópia da razão daquela, e não é a triangularidade,<br />
porque se esta estivesse aqui, não poderia haver<br />
a mesma que observamos naqueles três objectos, que ali realizam,<br />
aos nossos olhos, também, um triângulo. Essa actividade<br />
de nossa mente, que especula sobre os factos, para concluir que<br />
a triangularidade se dá fora dos triângulos, que é um possível<br />
na ordem do ser, é uma actividade genuinamente metafísica,<br />
e que revela uma natureza característica de nossa mente. Sabemos<br />
que a acção é sempre proporcionada ao agente, à natureza<br />
do agente. Como poderia, por exemplo, um agente apenas<br />
material, apenas mecânico, captar o que não é material,<br />
como a triangularidade?<br />
— Aceitando suas afirmativas, Pitágoras, chegaríamos à<br />
conclusão de que a posição de Platão é mais segura que a de<br />
Aristóteles, e que inclui a deste.<br />
— Na verdade, a concepção de Platão inclui a de Aristóteles,<br />
porque o que este chamava de abstracção é o que se realiza<br />
através de uma actividade de nosso espírito, mas dentro<br />
do que preceitua Platão.<br />
— Neste caso, as ideias ou formas não existem apenas na<br />
mente humana?<br />
— Já demonstrei que o conceptualismo é deficiente.<br />
— E se essas ideias e formas têm uma existência além<br />
da mente humana, estão elas na ordem do ser, do que você<br />
chama o Ser Supremo.<br />
— Perfeitamente.<br />
— Mas, parece que Platão afirmava que elas tinham uma<br />
existência autónoma. Pelo menos foi o que aprendi na escola,<br />
e parece-me que é o que afirmam os seus intérpretes.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> ::I:I<br />
— De certo modo é verdade. Realmente, Platão afirmava<br />
que essas formas tinham um ser fora da mente humana; cnun<br />
reais. Que elas existissem fora do Ser Supremo, jamais o afirmou<br />
de modo claro e indiscutível, porque Platão, em suas obras,<br />
não disse tudo quanto pensava neste sentido. E' o que êleafirma,<br />
em sua famosa Vila. carta, onde declara categoricamente<br />
que jamais escreveu nem falou a quem quer que seja<br />
a respeito do que realmente êle pensava sobre este tema.<br />
— E como, então, concluir que êle aceitasse que essas ideias<br />
eram subsistentes, porque eram formais e se davam no Ser<br />
Supremo, e não fora deste?<br />
— Porque Platão era pitagórico, e foi talvez o maior dos<br />
pitagóricos e, para essa concepção, as formas são existentes<br />
no Ser Supremo, porque não há rupturas no Ser, e tudo quanto<br />
é, nele está, e é dele.<br />
— Mas é discutível essa filiação de Platão ao pitagorismo.<br />
— E' discutível, sem dúvida, mas isso não implica que<br />
êle não fosse pitagórico, pois toda a sua obra, sobretudo na<br />
fase final, revela a origem e a base genuinamente pitagórica,<br />
que não deve ser confundida com o que se chama por aí de<br />
pitagorismo.<br />
— Sei que você é um estudioso do pitagorismo, e gostaria<br />
de examinar essa doutrina com você. Meus parcos conhecimentos<br />
alcançam, porém, que há muita falsificação, o que se<br />
deve, em parte, aos próprios pitagóricos...<br />
— ... em grande parte — interrompeu Pitágoras para<br />
corroborar.<br />
— ... mas em maior parte aos exegetas do pitagorismo,<br />
que não se dedicaram com maior cuidado ao conhecimento da<br />
doutrina desse poderoso espírito que foi o grande sábio de<br />
Samos, ao qual ainda não se fêz a devida justiça.<br />
— Muito bem, Ricardo. Estas suas palavras, além do<br />
muito simpáticas para mim, têm um valor inestimável. Vejo<br />
que você ainda um dia há de, comigo, penetrar em certos osl.udos,<br />
que só nos trarão benefícios para uma visão mais clara<br />
e mais concreta do que constitui propriamente a filosofia.