FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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216 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
cera tem de sofrer marcas. Portanto, no conhecimento, há<br />
algo que o antecede, pois, do contrário, o mesmo não seria possível.<br />
E mais: que esse conhecimento é proporcionado à natureza<br />
do cognoscente. Esta posição é de certo modo platónica.<br />
Mas Platão dizia mais. Dizia que esses estímulos, que são assimilados<br />
por nossos esquemas, apresentam uma ordem, uma<br />
proporcionalidade intrínseca em seus elementos componentes,<br />
que terminam por apresentar-se como esquemas coerentemente<br />
coordenados. Ora, tais esquemas são esquemas de esquemas.<br />
E como seria possível que o nosso psiquismo os assimilasse<br />
como tais, como unidades, se em nós não houvesse já, previamente,<br />
a possibilidade de fazê-lo? Tais esquemas estavam já<br />
em nós em estado potencial ou, em sua linguagem poética, estavam<br />
adormecidos, esquecidos. E dizia esquecidos, porque não<br />
tínhamos antes consciência deles, mas apenas quando o conhecimento<br />
se processava. E, nesse instante, era como se despertassem,<br />
como se fossem relembrados. Daí dizer que tínhamos<br />
alguma reminiscência deles, porque, de certo modo, eles já<br />
eram em nós. E se prestarmos bem atenção, sentiremos essa<br />
sensação ao conhecer. Pois, quando conhecemos alguma coisa,<br />
conhecemo-la como uma nova totalidade, mas formada, de certo<br />
modo, de elementos que já conhecíamos. E' uma nova totalidade,<br />
uma unidade nova, mas composta de dados que já<br />
conhecíamos. São eles que nos dão a impressão de uma recordação,<br />
e também de uma reminiscência. O conhecer é assim<br />
um recordar na linguagem poética de Platão. E havia fundamento<br />
nesse modo de pensar, como iremos ver. Responda-<br />
-me às perguntas que vou fazer.<br />
Conhecemos sensivelmente, por intermédio directo de nossos<br />
sentidos o que ultrapassa à sua faixa cognoscitiva?<br />
— Não.<br />
— Essa faixa cognoscitiva de certo modo é uma potência<br />
em nós, que se actualiza no momento do conhecimento. Não é?<br />
— Certo.<br />
— Dentro da faixa cognoscitiva, não conhecemos todos os<br />
graus que vão desde o mínimo até o máximo?<br />
— Sim, conhecemos.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> NEGAÇÀO :>.\'i<br />
— Todos os elementos cognoscitivos, que compõem uma<br />
nova unidade esquemática cognoscitiva, não estão dentro dessa<br />
faixa ?<br />
— Estão.<br />
— Neste caso, os novos esquemas, que são unidades, que,<br />
em suma, são totalidades de vários elementos cognoscitivos, não<br />
eram possibilidades dentro da faixa cognoscitiva do homem?<br />
— Sem dúvida.<br />
— Nesse caso, tudo quanto conhecemos, e viremos a conhecer,<br />
de certo modo, já está contido na possibilidade nossa<br />
de conhecer. Não está certo?<br />
— Está. Mas, e a abstracção total e a formal que você<br />
defendeu há pouco?<br />
— O que Aristóteles chamava de abstracção era a capacidade<br />
da mente em separar unidades formadas de totalidades<br />
cognoscitivas, ou sejam notas, e, com elas, construir espécies<br />
ou esquemas, que depois o intelecto imprimia no que êle chamava<br />
de nous pathetikos, o intellectus possibilis dos escolásticos,<br />
o intelecto passivo. Não é isso?<br />
— E' isso.<br />
— Essas espécies, para Platão, eram possíveis nossos que<br />
a actividade de nosso intelecto despertava. Mas essas abstracções<br />
se dão por assimilação a elementos já existentes no nosso<br />
intelecto; ou, seja, a esquemas que já existiam em sua primariedade,<br />
mas que têm agora uma nova coesão, que constituem<br />
agora um novo esquema. Portanto, de qualquer forma, foram<br />
assimilados, porque se nada houvesse de semelhante entre o<br />
nosso intelecto e os fantasmas apreendidos pela nossa experiência,<br />
e se nada houvesse de semelhante entre os nossos esquemas<br />
e as generalidades que se observam nas coisas, como<br />
seria possível o conhecimento, se sabemos que, para o que não<br />
temos esquemas, não somos capazes de conhecer sensivelmente?<br />
— Está bem, Pitágoras. Mas há coisas que escapam no<br />
nosso conhecimento sensível, e que nós conhecemos. Creio que<br />
foi, fundando-se nessa afirmação, que você quis demonstrar a<br />
validez da metafísica.