19.04.2013 Views

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

214 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

ria da abstracção de Aristóteles e, depois, subitamente, manifestou-se<br />

platónico, de certo modo. Não há aí uma contradicção?<br />

— Em que sentido?, perguntou Pitágoras.<br />

— Aristóteles é empirista, e afirma que todo o nosso conhecimento<br />

se inicia pela experiência sensível, enquanto Platão<br />

é inatista, e afirma que possuímos a priori, antes da experiência,<br />

certas ideias que servem de base à assimilação dos factos que<br />

são dados pela experiência sensível. Ora, logo se vê que são<br />

duas posições opostas. No entanto, você, ao provar que há<br />

fundamento para a metafísica, argumentou aristotèlicamente<br />

e, depois, para provar a mesma tese, argumentou platonicamente.<br />

Como se explica isso?<br />

— Quis demonstrar que, dentro da linha aristotélica, como<br />

da platónica, pode-se demonstrar a validez da metafísica.<br />

— Mas, se são duas posições antagónicas, a prova de um<br />

é refutada pela do outro, e, portanto, ou um só é verdadeiro<br />

ou nenhum dos dois o é.<br />

— Ambos são verdadeiros em suas afirmações. Não o<br />

é Aristóteles, em sua exclusão. Contudo, essas duas provas<br />

nos mostram que, partindo da experiência, da empíria, ou das<br />

ideias, podemos, de qualquer modo, comprovar a objectividade<br />

da metafísica.<br />

— Até aqui, estou de acordo, Pitágoras. E você argumentou<br />

muito bem. Mas o que me causou espécie foi o facto<br />

de você manobrar dentro de duas posições filosóficas antinômicas,<br />

se me permite falar assim. Gostaria, e comigo creio<br />

que todos os presentes, que você justificasse melhor uma e outra<br />

posição.<br />

— Compreendo o que deseja, e irei ao seu encontro, dentro,<br />

naturalmente, do possível e do âmbito de uma mera conversação.<br />

Aristóteles, que, em sua juventude, fora platónico,<br />

afastou-se do mestre para negar validez real às ideias ou formas<br />

platónicas. E' o que transparece em sua obra. Mas os<br />

argumentos de que se valeu Aristóteles eram fracos, e êle, apesar<br />

de seu esforço para negar a doutrina do mestre, permaneceu<br />

dentro dela muito mais do que pensava. Poderia até<br />

dizer que êle era mais platónico do que julgava, e menos aris-<br />

FlLOSOFIAS <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 215<br />

totélico do que proclamava. Mas, para demonstrar a invalidade<br />

da negação aristotélica, bastaria provar a validez da doutrina<br />

platónica. E creio que já o fiz nos argumentos que tive<br />

ocasião de expender há pouco.<br />

— Sim, mas você não me respondeu o principal. Para<br />

Aristóteles, todo conhecimento começa pela experiência sensível.<br />

E' dele a frase famosa de que "nada há no intelecto que primeiramente<br />

não tenha estado nos sentidos", enquanto Platão<br />

afirma que há uma reminiscência das ideias, que estão a priori<br />

em nós. E é graças a essas ideias a priori que pode o homem<br />

conhecer, e conhece por assimilação a elas. Ou, em outras palavras:<br />

o conhecimento intelectual, para Aristóteles, processa-se<br />

pela abstracção, enquanto para Platão êle se processa<br />

pela assimilação. E' essa distinção que julgo importante, e<br />

gostaria que você justificasse, por exemplo, a posição platónica<br />

em face da afirmativa aristotélica.<br />

— Compreendi bem o que deseja, Ricardo. Procurarei<br />

fazê-lo.<br />

Fêz uma pausa, como se meditasse por onde deveria começar.<br />

Logo depois iniciou deste modo:<br />

— A teoria da tabula rasa; ou seja, a que afirma que o<br />

homem, no conhecimento, actua como uma tabula rasa em face<br />

dos estímulos exteriores, recebendo as impressões, para delas<br />

abstrair as generalidades e com elas construir os conceitos, é,<br />

em linhas gerais, a posição aristotélica. Platão, ao inverso,<br />

afirma que o homem não entra em contacto com o mundo exterior<br />

como uma tabula rasa, mas com um complexo sistema<br />

psíquico, que constitui os seus sentidos. Estes são excitados<br />

pelos factos do mundo exterior proporcionadamente à sua natureza.<br />

Todo o nosso sensório é um conjunto de esquemas que<br />

se acomodam ao mundo exterior, e recebem, desse mundo, estímulos,<br />

mas estes são proporcionados aos esquemas que previamente<br />

já tem. Não ouvimos as vibrações moleculares do ar,<br />

para as quais não temos esquemas, nem vemos as vibrações<br />

eletro-magnéticas, para as quais não temos esquemas ópticos.<br />

Nosso conhecimento, portanto, é proporcionado à esquemática<br />

de que previamente dispomos. E a própria tabula rasa recebe,<br />

na cera, as impressões das coisas exteriores, na proporção que a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!