FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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208 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Fêz uma pausa, e prosseguiu:<br />
— Os conceitos, que obtemos por uma abstracção total,<br />
quase sempre não transcendem à experiência possível. Esses<br />
conceitos, assim obtidos, são concretos, tais como homem, sábio,<br />
triangular. Esses conceitos não transcendem à ordem da<br />
experiência. Não são, pois, metafísicos. Dão-se em sua ligação<br />
com as coisas.<br />
Mas os conceitos que constituem propriamente o campo da<br />
metafísica são os obtidos por abstracção formal, e constituem<br />
formas puras, como sejam, correspondentemente aos que citei:<br />
a humanidade, a sapiência e a triangularidade. Mas, no homem,<br />
de certo modo subsiste a humanidade, como no sábio a<br />
sapiência, como no triângulo a triangularidade. De que modo<br />
subsistem, é para nós desconhecido, e é objecto de estudo da<br />
metafísica. Nesses conceitos, excluímos tudo quanto não seja<br />
êle. Assim, a humanidade é apenas humanidade, a sapiência<br />
apenas sapiência, a triangularidade apenas triangularidade.<br />
— Sim, interrompeu Josias, sabemos disso tudo, mas não<br />
ficou provado que tais conceitos não passam de apenas ficções<br />
nossas, sem qualquer valor objectivo.<br />
— Um momento, pediu Pitágoras. Eu já havia provado<br />
isso quando examinei a polémica dos universais, no qual demonstrei<br />
que tais universais tinham um conteúdo objectivo suficiente.<br />
O conceito universal é predicado univocamente de<br />
vários indivíduos. Vimos que não podia ser apenas um conceito<br />
subjectivo, nem uma singularidade real do indivíduo, nem<br />
apenas alguma coleção de indivíduos. Porque se dava igualmente<br />
nos seres singulares, tinha uma natureza real. A triangularidade<br />
está neste, naquele e naquele outro triângulo. Mas,se<br />
desaparecessem todos os triângulos, a triangularidade não<br />
se tornaria num mero nada, porque a sua razão, o que os gregos<br />
chamavam logos, e que os pitagóricos profundamente definiam<br />
como " a lei de proporcionalidade intrínseca" de uma<br />
coisa, que por isso mesmo é isto e não aquilo, não deixaria<br />
de ser na ordem do ser. E se desaparecessem todos os homens,<br />
também a humanidade não se tornaria num mero nada, embora<br />
não tivesse nenhum representante.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> :'.'.I<br />
— Vejo que você defende, então, a tese platónica. ln:m<br />
é realismo exagerado, porque você dá uma subsistência a CHSIIH<br />
abstracções formais gerais, que o homem constrói — ak'gou<br />
Ricardo.<br />
— E' subsistente todo ser que tem uma forma. A triangularidade<br />
é uma forma pura e, consequentemente, tomada em<br />
si mesma, enquanto tal, é uma subsistência e é subsistente.<br />
— E onde está ela?, perguntou Josias, a rir. Onde se<br />
colocam essas formas? No céu, lá em baixo, no inferno, onde?<br />
Bertrand Russel já fêz boas piadas sobre tais ideias, e teve<br />
até oportunidade de dizer que, permitindo Platão que tudo<br />
quanto se dá corresponde a uma ideia, deve haver, no mundo<br />
das ideias, a ideia subsistente do "pontapé no traseiro de alguém".<br />
E riu à vontade.<br />
Pitágoras permaneceu por algum tempo a sorrir. E quando<br />
Josias já diminuía o ímpeto de sua gargalhada, que não foi,<br />
diga-se a verdade, participada por todos, êle respondeu, com<br />
serenidade:<br />
— Piada por piada, sem dúvida esse senhor Bertrand<br />
Russel é a maior piada que há na filosofia.<br />
— Mas êle é Prémio Nobel... — Interrompeu Josias.<br />
— Pior para o Prémio Nobel. No tocante a Platão, esse<br />
cavalheiro é absolutamente ignorante, de uma ignorância dolorosa.<br />
Nunca o entendeu, nem o poderia conseguir. Por isso,<br />
teve de lançar mão desse argumento piadístico, que já demonstra<br />
a fraqueza de quem o usa, porque, quem usa piadas na filosofia<br />
é porque não sabe ou não pode usar argumentos sólidos<br />
e robustos. Argumento semelhante a esse já fora apresentado<br />
há dois mil e trezentos anos antes de nós. Não é nenhuma<br />
novidade. E já foi devidamente respondido.<br />
Responda-me, apenas, se quiser continuar, ao que pergunto.<br />
E tornou-se profundamente sério: — Antes de existir o<br />
homem neste planeta era o homem um possível, ou não? Responda-me<br />
estritamente dentro das nossas regras.<br />
— Era um possível.<br />
— E esse possível era um nada absolutamente?