FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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204 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
vo-metafísica. E se tal fôr provado, poder-se-ia afirmar que<br />
a metafísica, como ciência, é possível.<br />
— Você clareou bem o problema, Pitágoras. E' isso que<br />
você tem de provar.<br />
— Então, diga-me uma coisa: não é válido para você que<br />
se considera a metafísica como a ciência que especula sobre o<br />
ser enquanto ser, e sobre todas as coisas que nesse ser encontram<br />
seu fundamento?<br />
— No sentido aristotélico é esse. E, realmente, esse tem<br />
sido o que se pensa que é a metafísica.<br />
— A metafísica, assim, dedica-se ao estudo dos aspectos<br />
gerais do ser, que é a metafísica geral, e de aspectos especiais,<br />
que é a metafísica especial, cujo objectivo é constituído pelos<br />
seres que ultrapassam os meios de conhecimento sensível, como<br />
Deus ou a alma, por exemplo. Você aceita essa classificação?<br />
— Posso aceitá-la. Não vejo motivo para discordar, por<br />
ora, respondeu Ricardo.<br />
— Para os metafísicos, tanto o primeiro, como os segundos,<br />
são entes imateriais, pois os entes materiais são cognoscíveis<br />
pela nossa experiência sensível. Concorda?<br />
— Concordo que os metafísicos consideram tais entes imateriais.<br />
Por isso, a metafísica tem por objecto entes imateriais.<br />
— Concorda também que, para tais metafísicos, a metafísica<br />
tem por objecto entes que são atingidos pelo terceiro grau<br />
da abstracção?<br />
— Sim, são produtos de uma abstracção de terceiro grau,<br />
concordo. Não, porém, que eles sejam reais em si; isto é, que<br />
se dêem fora da mente humana.<br />
— Eeconhece que a matemática trabalha com entes que<br />
são produtos de um segundo grau de abstracção? Concorda,<br />
ou não?<br />
— Concordo. Mas a matemática não prova que eles existam<br />
fora da mente humana. Se tomo este corpo, e dele abstraio<br />
a quantidade que tem, realizo uma abstracção de primeiro grau,<br />
se considero a quantidade em si, realizo uma abstracção de segundo<br />
grau. A primeira abstração é a que constitui a matéria<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong><br />
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da física, a segunda, a da matemática. Mas se abstraio da<br />
quantidade o ser, que é substância desta, com essa terceira<br />
abstracção, realizo a metafísica.<br />
São assim três graus de abstracção, que se realizam com<br />
a matéria singular, pela qual abstraímos apenas as condições<br />
particulares contingentes, que são estritamente individuais.<br />
— Mas essa abstracção não separa realmente essas qualidades<br />
sensíveis do corpo!, apressou-se em afirmar Ricardo.<br />
— Ninguém diz outra coisa Ricardo. A abstracção é um<br />
acto mental, e ela realiza apenas uma separação mental, não<br />
física. Mas, não há dúvida, e você tem de reconhecer que o<br />
que é abstraído tem uma realidade na coisa, embora dela não<br />
se separe realmente. Essa abstracção é fundada experimentalmente.<br />
E se ela não valesse, não valeria nada toda física.<br />
Ricardo não respondeu. Pitágoras ficou silencioso, e olhou<br />
para os outros, esperando qualquer resposta. Todos pareciam<br />
meditar, sem que ninguém se atrevesse a apresentar qualquer<br />
objecção.<br />
— Provado, como já foi, por nós, que esse conhecimento<br />
tem seu fundamento — prosseguiu Pitágoras — não há mais<br />
necessidade de recusar ao que já examinamos, onde demonstramos<br />
que esse conhecimento tem validez, e que não se lhe pode<br />
atribuir que é apenas ficcional. Já vimos isso, e não vão querer<br />
que eu retorne ao que já foi examinado.<br />
O silêncio foi geral. Apenas havia aprovação por parte<br />
de Artur. E como ninguém propusesse nada em contrário,<br />
Pitágoras prosseguiu:<br />
— A segunda abstracção consiste em tomar um objecto à<br />
parte da matéria à qual pertence, como a quantidade, o número,<br />
a figura. A quantidade não pode existir sem a matéria sensível,<br />
mas, tomada, enquanto tal, constitui o objecto da matemática.<br />
E essa tem validez, ninguém o pode negar, porque a<br />
matemática é comprovada pela experiência, embora não seja<br />
apenas essa comprovação que justifica a sua validez.<br />
— Mas essa comporvação pela experiência não se dá quanto<br />
às abstracções de terceiro grau de que você certamente vai<br />
falar agora. — Afirmou Ricardo.