FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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202 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
uma ciência, e, para alguns, tal decorre da influência sofrida<br />
de Hume. E' natural que não vou discutir esses aspectos, porque<br />
não pertencem eles ao que Ricardo deseja examinar. O<br />
que êle deseja certamente examinar são os limites que Kant<br />
aponta à metafísica, as "fronteiras da metafísica", como êle<br />
dizia. Um processo analítico da razão não é suficiente para<br />
demonstrar uma existência. Seria necessário que a metafísica<br />
fosse capaz de construir juízos sintéticos a priori para que<br />
ela se tornasse uma ciência pura, como o consegue, por exemplo,<br />
a matemática, como ciência pura da quantidade, a geometria,<br />
como ciência pura do espaço, a física, de certo modo, como<br />
ciência pura dos corpos. Mas a metafísica não consegue alcançar<br />
essa pureza, porque não é capaz de construir juízos<br />
sintéticos a priori. A metafísica, por exemplo, é incapaz de<br />
provar e demonstrar a existência, porque pensar numa coisa<br />
como existente ainda não é provar a sua existência. A existência<br />
não é um predicado das coisas, mas sim a absoluta posição<br />
de uma coisa. E um juízo, puramente, não pode prová-la,<br />
já que a negação de existência de uma coisa não entranha em<br />
si nenhuma contradição, pois dizer algo existe, ou dizer que<br />
algo não existe, não entranha em si nenhuma contradição. Não<br />
quero absolutamente que pensem que o que julgo da obra de<br />
Kant seja o que é comumente afirmado como o seu pensamento.<br />
Tenho outra interpretação, e gostaria de justificá-la. Mas<br />
isso não o poderia fazer agora, pois me exigiria um estudo tão,<br />
longo que o nosso tempo não permitiria, e ademais precisaria<br />
compulsar toda a sua obra, desde os primórdios, para demonstrar<br />
minhas afirmativas, o que não vem ao caso. O que vem<br />
é o uso que se faz do pensamento de Kant, interpretado de<br />
certo modo, para, com êle, esgrimir-se contra a metafísica, considerando-se<br />
até, como alguns fazem, que tais argumentos são<br />
decisivos e insuperáveis, e que já desferiram o golpe de misericórdia<br />
na metafísica, que jaz inane para sempre. E' dentro<br />
desse modo de pensar, dentro dos esquemas dessa interpretação,<br />
que não é para mim o genuíno pensamento de Kant,<br />
que desejo rebater. Penso ter assim devidamente clareado a<br />
minha posição, evitando dúvidas, pois o que vou reunir como<br />
argumentos para combatê-los, são os usados por tais intérpretes<br />
adversários da metafísica, considerando desde já que esse<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> :!O:I<br />
não é o verdadeiro pensamento kantiano. Ao contrário, Kmit.<br />
acreditava que a metafísica era possível como ciência, o procurava,<br />
e até demonstrava que havia juízos sintéticos, a priori,<br />
metafísicos. Se eu fizesse agora essa prova, apenas excluiria<br />
Kant da crítica contra a metafísica, mas como a finalidade é<br />
demonstrar que tais argumentos são improcedentes, permanecerei<br />
apenas dentro do que se diz que Kant disse, e, nesse âmbito,<br />
apenas, eu me moverei, deixando o resto para outro oportunidade,<br />
se ela me fôr dada.<br />
Muitos escolásticos colocam-se contra a obra kantiana, devido<br />
a tais informações. Mas, observa-se, desde logo, que tais<br />
escolásticos modernos nem sequer compulsaram e examinaram<br />
a obra de Kant, senão muito deficitàriamente e por alto. Há,<br />
contudo, entre os escolásticos, os que já se entregaram a um<br />
estudo mais exaustivo e cuidadoso, e esses não acompanham<br />
essas opiniões. Ao contrário, delas divergem e reivindicam<br />
até o pensamento kantiano para a escolástica, o que parece,<br />
para alguns, não só temerário mas até absurdo. Permanecendo,<br />
pois, dentro do que se afirma ter Kant manifestado, prossigamos<br />
nossa análise, e também a nossa refutação, dentro da<br />
posição escolástica que acima delineei, embora haja outras refutações,<br />
segundo outras posições, que procurarei dentro do<br />
possível delinear. O argumento fundamental de Kant seria a<br />
negação da existência e do valor objectivo da abstracção. Provado<br />
estes, toda a crítica kantiana, neste ponto, cairia. Mas<br />
Kant não usou apenas esse argumento, conforme alegam os<br />
seus intérpretes. Partiu também da limitação da cognição humana.<br />
Ora, todo conhecimento se inicia nos sentidos. Portanto,<br />
como poderia um conhecimento, que se funda apenas nessa<br />
experiência, transcender essa experiência? O que pertence à<br />
metafísica, principalmente, é o que transcende à experiência,<br />
o que transcende, portanto, ao conhecimento. Não é isso,<br />
Ricardo?<br />
— Sem dúvida. E aí está o ponto que gostaria que você<br />
expusesse.<br />
— Neste caso, colocando-me dentro de uma posição à semelhança<br />
daquela dos escolásticos, caber-me-ia provar que, pela<br />
abstracção formal, é possível alcançar uma cognição objecti-