FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
— Isso mesmo. E permita-me acrescentar. Se olharmos<br />
para o depois, há uma possibilidade infinita de actualizações<br />
das sucessões das mutações dos seres criaturais. A criação<br />
pode existir sempre numa sucessão sem fim. E há algum absurdo<br />
aí?<br />
— Não, não há.<br />
— Pois volvamos para o antes. Não há, nem haveria<br />
absurdo em que o antes fosse também potencialmente infinito.<br />
Nós, colocados no agora, no agora da nossa consciência, podemos<br />
perfeitamente sentir o depois como potencialmente infinito,<br />
e também o antes, desde que não consideremos o tempo<br />
como um ser existente em si mesmo, o que não é. Não concorda<br />
comigo?<br />
Reinaldo fêz um longo silêncio antes de responder. Sem<br />
dúvida meditava. Olhou para Ricardo e Paulsen, como em<br />
busca de algum auxílio. Estes mostravam-se mais ansiosos pelo<br />
auxílio de Reinaldo que propriamente de virem em seu apoio.<br />
Finalmente, este respondeu:<br />
— Colocado como o faz, a sua explicação resolve uma aporia<br />
da sua concepção. Mas também vem a meu favor.<br />
— Como?<br />
— Porque, nesse caso, a matéria teria também esse antes,<br />
e esse depois, e a dificuldade que ofereceu para recusá-la como<br />
fonte e origem de todas as coisas cai por terra.<br />
— Isso não, respondeu Pitágoras, com veemência.<br />
— Como não, retrucou-lhe Reinaldo.<br />
— Não, por uma razão bem simples. O tempo não é imanente<br />
ao Ser Supremo, nem o é a criação. O Ser Supremo é<br />
transcendente a tudo isso. Mas a matéria não o é. Ela é imanente<br />
ao mundo, ao cosmos, que é uma mutação dela. Neste<br />
caso, o tempo seria da sua essência, e também a mutação, e<br />
o tempo teria positividade outra que no primeiro caso. E as<br />
mesmas dificuldades surgiriam, e os mesmos absurdos já salientados.<br />
Pitágoras olhou-o com firmeza. Reinaldo calou-se. Meditava.<br />
Ninguém vinha em seu auxílio.<br />
<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 199<br />
— Então, qual o papel do Ser Supremo na criação?, perguntou<br />
Reinaldo, sem esperanças de salvar-se da dificuldade<br />
em que se encontrava.<br />
— Penso que não deseja que eu examine a concepção criacionista,<br />
segundo as religiões. A linguagem das religiões merece-me<br />
respeito, mas é uma linguagem religiosa. Eu procuro<br />
uma linguagem filosófica, e esta se poderia reproduzir nestes<br />
termos: a criação é a revelação do supremo poder do Ser Supremo.<br />
Há um ser que pode tudo quando pode ser. E' êle o<br />
omnipotente, pois êle tem todo poder e todo poder é dele. Os<br />
seres criados são mistos de poder e de não-poder, do que têm<br />
e do que não têm, porque todo ser que é isto, é outro que<br />
outro, não é aquilo. A perfeição, nesse ser, é o que é positivamente<br />
real, existente; a deficiência, o que lhe falta, quer gradativa,<br />
quer totalmente. O Ser Supremo é o poder ser em sua<br />
potencialidade máxima. Esse ser existe. E todos vocês, sejam<br />
de que posições filosóficas forem, aceitam-no. Há, sem dúvida,<br />
um ser que tem todo o poder de ser, porque tudo quanto há,<br />
ou vem a haver, ou houve, não surgiu do nada, não foi feito<br />
de nada, mas sim de um poder que já havia, que já antecedia<br />
a todas as coisas. Todo o poder possível já está nele. Êle é<br />
todo poderoso. Podem chamá-lo como o quiserem: Deus, matéria,<br />
energia, ideia, força, Brahma, Allah, pouco importa. Mas<br />
nenhum de vós, nem o mais céptico de vós, deixará de aceitar<br />
que êle existe. Aí todos nós nos unimos, e nos encontramos.<br />
O que nos separa, o que cria as nossas divergências, está apenas<br />
na procura de qual a natureza desse ser, qual a sua essência.<br />
Mas creio (e o afirmo com toda a convicção de minha<br />
alma) que tais divergências podem ser vencidas e aplainadas,<br />
e podemos todos, todos, encontrarmo-nos no mesmo caminho.<br />
— Quererias revelá-lo um dia para nós?, perguntou humilde<br />
e sinceramente Artur.<br />
Pitágoras olhou-o com firmeza. Os olhos brilhantes e<br />
sinceros do jovem eram expectantes. Um grande sorriso invadiu<br />
o rosto de Pitágoras, um sorriso cheio de esperanças e<br />
de bondade. E foi com uma voz que saía do coração, mas sem<br />
perda de firmeza, que êle respondeu: