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FILOSOFIAS DA AFIRMAÇÃO E DA NEGAÇÃO - iPhi

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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

nelas havia de positivo e fundamental, que lhe permitisse encontrar<br />

o porto seguro para as suas ânsias. Por que devemos<br />

nós — dizia êle com os olhos vivos e penetrantes voltados para<br />

Ricardo — por que devemos nós repetir esse ritornello dos<br />

nossos tempos? Se temos consciência do que se passa — e eu<br />

sou agora essa consciência —, e se em nós há a aceitação desse<br />

ponto de vista, por que prosseguir assim? Por que não damos<br />

uma ordem às nossas conversações e diálogos? Assim, por<br />

exemplo, como procediam os gregos?<br />

Pois foi assim que tudo ficou combinado. Nossas reuniões<br />

não se caracterizariam mais pela "vagabundagem das ideias",<br />

para usar-se a expressão de Pitágoras, mas sim pelo exame<br />

cuidadoso de modo a evitar os desvios e as associações que se<br />

afastam do tema principal e não favorecem melhor clareza e<br />

compreensão. Ora, entre os que tomavam parte nessas reuniões<br />

vespertinas e noturnas, havia pessoas que se dedicavam<br />

ao estudo da filosofia e das ciências sociais com um afinco<br />

incomum. Quase todos tinham alguma escolaridade superior,<br />

mas, na verdade, todos eram autodidatas, guiados mais pelo<br />

instinto, se assim se pode chamar a essa ânsia de saber e de<br />

discutir pontos de vistas, comparar perspectivas e buscar afinal<br />

soluções para resolver as mais sérias dificuldades. E essa era<br />

a razão por que não estavam tão submetidos à natural tolice,<br />

covardia ou timidez do que sofreu a marca da escolaridade, do<br />

que permaneceu nos bancos académicos, onde em geral se encontram<br />

mestres cuja única preocupação é assassinar no aluno o<br />

ímpeto realizador, criando-lhe um clima de medo insuperável de<br />

aventar uma ideia, propor uma solução, examinar por si mesmo<br />

um problema. Esse medo tem sido a destruição de muita<br />

inteligência, e tais esquemas inibitórios envolvem de tal modo<br />

o modo de agir de "um estudioso, que este, ao examinar matérias<br />

diversas das que cursou, onde não há a memória das<br />

inibições e dos temores tolos dos mestres, sente-se livre, desembaraçado<br />

e cria. Esta é a razão por que entre as maiores mentes<br />

criadoras do mundo, á quase totalidade é formada de autodidatas<br />

na matéria em que se tornaram inovadores.<br />

Pitágoras sempre chamava a atenção dos outros para esse<br />

ponto. E notava que há filósofos tolos que afirmam que nada<br />

<strong>FILOSOFIAS</strong> <strong>DA</strong> <strong>AFIRMAÇÃO</strong> E <strong>DA</strong> <strong>NEGAÇÃO</strong> 21<br />

sabem, mas cometem a tolice de afirmar que sabem que nada<br />

sabem; que há homens tímidos, que não aventam uma ideia,<br />

nova, e baseiam-se sempre em autoridades, receiosos de cometer<br />

um erro, e que revelam não ter por isso capacidade de julgar<br />

nem sabem se o que afirmam ou examinam tem fundamentos<br />

ou não. Há, finalmente, aqueles covardes do espírito, incapazes<br />

d,e invadir qualquer setor do conhecimento, porque o medo<br />

lhes gela a alma e o corpo, e que envolvem numa capa de agnosticismo<br />

o que realmente pensam, não afirmando e exibindo exteriormente<br />

o que julgam, por covardia, apenas por covardia.<br />

Procuram, assim, uma posição que os coloque equidistantemente<br />

de todos, e possa servir de ponto de partida, sem compromissos<br />

anteriores, para assumir uma posição que as circunstâncias imponham.<br />

Mas essa nova posição só será mantida pelo medo,<br />

e terá a força pálida de tudo quanto é sustentado apenas pelo<br />

medo.<br />

— Suporto esses espíritos — costumava dizer Pitágoras.<br />

Minha compaixão é tão grande que chega a isso. E até discuto<br />

com eles. Devemos fazê-lo, não convencidos de que os salvaremos<br />

da fórmula anêmica em que se encontram, mas com a<br />

finalidade de, pelo menos, espantar do espírito dos que ouvem<br />

os malefícios que esse. linfatismo intelectual costuma realizar<br />

nos cérebros jovens, ainda indecisos.<br />

E realmente Pitágoras assim o fazia. Vale a pena recordar<br />

um dos seus diálogos com Josias, homem inegavelmente<br />

bom, um funcionário envelhecido nos arquivos, embora de idade<br />

jovem, com as marcas das decepções e do desespero gravadas<br />

nas faces, e sobretudo nas ideias.<br />

— Não tenho muita fé nesses métodos que vocês propõem.<br />

Não quero, porém, ser desmancha-prazeres dos outros. Aceito<br />

responder às perguntas que me fizerem, e apenas a elas, sem<br />

me afastar do tema principal, que será conduzido por Pitágoras<br />

ou quem quer que seja. Está certo. Mas afianço a vocês<br />

todos que não adiantará nada.<br />

— Mas por que? — perguntou Ricardo.<br />

— Porque apenas nos obstinará cada vez mais. Continuaremos<br />

de cada lado, e mais extremados ainda. As oposi-

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