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www.nead.unama.br<br />
— Amanhã, logo <strong>de</strong> madrugada, quero que Vosmecê parta para a Bahia. E<br />
<strong>de</strong> lá, no primeiro galeão, para Portugal...<br />
— Para Portugal?<br />
— Sim, Frei Manuel! Careço que Vosmecê vá falar a El-Rei...<br />
— ... Falar a el-Rei <strong>de</strong> minha parte. Contar a Sua Majesta<strong>de</strong> a nossa vitória.<br />
Pintar o nosso transe, as nossas aperturas, a nossa <strong>de</strong>sajuda, as canseiras que<br />
temos sofrido. Narrar-lhe tudo, com todas as minúcias, sem faltar <strong>de</strong>talhe...<br />
Frei Manuel babava-se <strong>de</strong> gozo. Ir a Portugal! Falar a el-Rei! Ser mensageiro<br />
afortunado! Oh, que supremo triunfo...<br />
E o nosso bom fra<strong>de</strong>, na manhã seguinte, partiu radiosamente a caminho do<br />
Tejo.<br />
A ajuda do Viso-Rei<br />
A <strong>de</strong>rrota das Tabocas estuporou os flamengos. O eco do fracasso, daquele<br />
fracasso sem prece<strong>de</strong>ntes, teve um retumbar doloroso na Cida<strong>de</strong> Maurícia.<br />
É que os holan<strong>de</strong>ses, soldados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s brios guapos e aguerridos,<br />
acostumados a vencer sempre, sorriram <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosamente ao arrebentar da<br />
rebelião. Aquilo, alar<strong>de</strong>avam eles espaventosamente, não passava <strong>de</strong> uma estulta<br />
bravata <strong>de</strong> gente <strong>de</strong>smiolada. Abafar o levante era um simples brinco militar: meia<br />
dúzia <strong>de</strong> colubrinas, umas pelouradas <strong>de</strong> arcabuzaria, bastariam para aterrorizar o<br />
bando roto. Mas o <strong>de</strong>sastre, o tremendo <strong>de</strong>sastre das Tabocas, veio acordá-los<br />
bruscamente da ilusão fanfarrona. Atordoou-os!<br />
Os três do Supremo Conselho reuniram-se numa aflição. João Blaar, diante<br />
<strong>de</strong>les, fez o relato da batalha. Os batavos ouviram-no pasmados. Era <strong>de</strong> entontecer...<br />
— É incrível, João Blaar! É incrível!<br />
— É incrível, eu bem sei, tornava o façanhudo; mas que se há <strong>de</strong> fazer? Os<br />
homens bateram-se como tigres. Foram duma coragem surpreen<strong>de</strong>nte. Eu nunca vi<br />
nos papistas tanto arrojo! Nunca vi tanto ímpeto e tanta bravura!<br />
Os membros do Supremo Conselho abriam a boca, estatelados. Hamel, <strong>de</strong><br />
pé, o sobrolho franzido, com furor:<br />
— Vosmecê não se envergonha <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>rrota, João Blaar? Vosmecê não<br />
cora em confessar que foi batido por essa canalha <strong>de</strong> papistas? Por essa corja <strong>de</strong><br />
mamelucos, <strong>de</strong> índios, <strong>de</strong> negros? Por esses Joãos-Toucinho, gente suja, em<br />
trapos, que não sabem nem sequer <strong>de</strong>sfechar um mosquete <strong>de</strong> Biscaia?<br />
João Blaar sorriu.<br />
— Como Vosmecê está enganado, Hamel! Os homens mudaram. Já não<br />
são os mesmos do tempo da conquista. Os homens hoje são outros. Apren<strong>de</strong>ram a<br />
combater. São tão aguerridos como os soldados <strong>de</strong> Holanda. Pena é que Vosmecê<br />
não houvesse assistido ao combate. Haveriam então <strong>de</strong> ver, com os próprios olhos,<br />
como tudo mudou. Os homens são outros, Hamel! São outros!<br />
Hamel estava numa irascibilida<strong>de</strong> causticante. Andava <strong>de</strong> um lado para<br />
outro, mor<strong>de</strong>ndo o lábio, todo nervos. De vez em quando, estacando, dar<strong>de</strong>java um<br />
jorro <strong>de</strong> perguntas:<br />
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