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Ao sentir o fracasso, ferventes <strong>de</strong> cólera, os <strong>de</strong> Holanda <strong>de</strong>spejam na luta,<br />
novamente, companhias <strong>de</strong> homens. Parte o reforço numa lufada. Mal <strong>de</strong>sembocam<br />
nos caniços, porém, já os soldados do Capitão Souto, erguendo-se da emboscada,<br />
largam-se com um ímpeto selvagem e espostejam o herege com fúrias sangrentas.<br />
Novo recuo dos atacantes! E que recuo <strong>de</strong>sanimador...<br />
É então que João Blaar, à frente <strong>de</strong> todos os seus homens, a espada em<br />
punho, precipita-se como um <strong>de</strong>satinado no re<strong>de</strong>moinho da batalha. O ar enche-se<br />
<strong>de</strong> uivos rugidores.<br />
— Aos papistas! Aos papistas!<br />
Ao contemplar, lá do alto, aquela acometida <strong>de</strong>sesperada, João Fernan<strong>de</strong>s<br />
estremece. Há um relâmpago <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>. Frei Manuel, com ímpeto fervoroso, cai<br />
por terra. E bruscamente, ali, diante da peleja que bramia, o fra<strong>de</strong>, braços abertos,<br />
lança aos ares, atroadoramente, o hino da Salve-Rainha! Sim, o hino da Salve-<br />
Rainha! O exército inteiro, escutando-o, freme... De todas as bocas, por um fascínio<br />
contagiante, começa então a subir para o céu o hino místico do fra<strong>de</strong>:<br />
— Salve, Rainha! Mãe <strong>de</strong> misericórdia, vida, doçura, esperança nossa! Salve...<br />
João Fernan<strong>de</strong>s crava os olhos na peleja. De repente, num assomo, esporeia<br />
o cavalo. Aperreia o mosquete, e, à frente dos soldados, lança o grito <strong>de</strong> guerra:<br />
— Aos hereges! Aos hereges!<br />
E <strong>de</strong>spenha-se na luta. Os soldados, com entusiasmos <strong>de</strong> fanáticos, rezando<br />
e cantando, lançam-se após ele. Então, no morro das Tabocas, é um pelejar fanático!<br />
São morteiros que atroam, bombas <strong>de</strong> artifício sacudindo os ares, pelouradas<br />
ensur<strong>de</strong>cedoras, colubrinas que estrondam, fumaradas enegrecendo o céu, sangue<br />
aos jorros, cadáveres pelo campo, toda uma algazarra louca, infernizante, <strong>de</strong>baixo do<br />
estrepitar das caixas e do trombetear angustioso das buzinas da guerra.<br />
Era noitinha, pontilham no alto as primeiras estrelas, quando João Blaar<br />
sentiu enfim o inútil do seu ataque. Pelas fileiras holan<strong>de</strong>sas, <strong>de</strong>flagrando, reboou o<br />
grito fúnebre:<br />
— Salve-se quem pu<strong>de</strong>r!<br />
E foi uma <strong>de</strong>bandada vertiginosa.<br />
João Fernan<strong>de</strong>s ganhara uma vitória formidável.O reencontro das Tabocas<br />
fora altíssimo feito <strong>de</strong> guerra. Triunfo tão culminante, sabia-o bem o Governador da<br />
Liberda<strong>de</strong>, arremessaria o seu nome aos quatro ventos, popularizando-o por todos<br />
os ângulos do Brasil. Agora, para coroamento da façanha, era preciso que o Rei, o<br />
próprio D. João IV, soubesse, com <strong>de</strong>talhes, da vitória imensa. A vaida<strong>de</strong> do<br />
ma<strong>de</strong>irense, só ao pensar nisso, entumescia-se. Ah, D. João IV iria falar nele!<br />
Agra<strong>de</strong>cer a ele! Isso era a sua ambição. Era a sua paga e a sua apoteose.<br />
Glorioso, nessa mesma noite, o antigo menino <strong>de</strong> açougue chamou ao Frei Manuel:<br />
— Tenho necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vosmecê, fra<strong>de</strong>...<br />
— É só mandar, João Fernan<strong>de</strong>s!<br />
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