O Príncipe de Nassau - Unama

O Príncipe de Nassau - Unama O Príncipe de Nassau - Unama

nead.unama.br
from nead.unama.br More from this publisher
19.04.2013 Views

www.nead.unama.br Monte rude, ouriçado de tabocais medonhos, ermo selvagem e áspero, fora o sítio onde se embrenhara a horda rebelde. João Fernandes escolhera-o com tino. Conhecia ele bem as sutilezas do terreno, os seus recortes e anfractos, todas as goelas abertas naquele morro bruto, invisíveis a olhos inespertos, tão disfarçadas estavam sob os caniços altos. O Governador da Liberdade entocaiou os soldados por aqueles esconderijos. Dispôs forte companhia de homens à base do morro. No alto, lá no cocoruto, arranchou o seu quartel general. E esperou... Nesse mesmo dia, já o sol ia alto, os esculcas romperam açodadamente pelo acampamento: — Os holandeses, General! — São muitos? — Uns três mil homens. João Blaar é quem comanda. Vêm eles em marcha forçada... João Fernandes tocou febrilmente a reunir. Revistou os soldados, deu ordens, emboscou as companhias pelas tabocas. Depois, de ma tenda, lá do alto do morro, cravou os óculos de cana por aquelas vastidões afora. De repente, nos longes do horizonte, tingindo o campo de vermelho, os holandeses surgiram com estrépito. Marchavam galhardos, com os chapelões de pluma, rufando com estrondo. Lá vinham à frente os mosqueteiros com os arcabuzes flamengos ao ombro e bala na boca; depois, os lanceiros, ao centro, ouriçando o céu de piquês e de meio-piquês; e enfim o grosso dos infantes, bizarros e guapos, armados de espadas largas e pistolas de cavalgar. João Fernandes deixou-os aproximar. De súbito, a um gesto dele, Rodrigo Mendanha dispara o trabuco... A companhia de homens, que se postara à base do morro, larga-se num arranco e, entre uivos, num alarido feroz, precipitou-se como um tufão ao encontro dos belgas. O Capitão Fagundes vai na frente, a espada cm punho, berrando: — Aos hereges! Aos hereges! Estrugem surriadas de mosquetaria. Os dois exércitos despenham-se um no outro. É um choque bruto! Fagundes, com suas arteirices, atacando e afastando, fugindo e resistindo, atrai manhosamente o inimigo para dentro do tabocal. Mas eis que, de funda garganta do morro, surgem bruscamente os homens de Antônio Cardoso. Caem como raios, numa fúria, arrazando, fulminado, estraçalhando. Os holandeses, colhidos de surpresa, recuam em tumulto, aparvalhadas. E foi um fugir desabrido de belgas... Mas, os oficiais holandeses, clamando e vociferando, recompõem a desordem. Num relâmpago, à frente de tropas frescas, lançam-se raivosamente à peleja. Alcançam os homens do Capitão Cardoso, tomam-lhe o reduto, avançam pelo tabocal. Mas naquela avançada louca, em que ia tudo razo, eis que estacam de golpe, desnorteados. Das tabocas, como por encanto, reboa de novo, assanhadamente, brutíssima saraivada de tiros. E logo, de todo o lado, erguendo-se como sombras, os homens do Rabelinho tombam em catadupa sobre os hereges. Chacina infrene, sangueira desatada! E foi um outro fugir, mais tumultuoso, mais desabalado... 88

www.nead.unama.br Ao sentir o fracasso, ferventes de cólera, os de Holanda despejam na luta, novamente, companhias de homens. Parte o reforço numa lufada. Mal desembocam nos caniços, porém, já os soldados do Capitão Souto, erguendo-se da emboscada, largam-se com um ímpeto selvagem e espostejam o herege com fúrias sangrentas. Novo recuo dos atacantes! E que recuo desanimador... É então que João Blaar, à frente de todos os seus homens, a espada em punho, precipita-se como um desatinado no redemoinho da batalha. O ar enche-se de uivos rugidores. — Aos papistas! Aos papistas! Ao contemplar, lá do alto, aquela acometida desesperada, João Fernandes estremece. Há um relâmpago de ansiedade. Frei Manuel, com ímpeto fervoroso, cai por terra. E bruscamente, ali, diante da peleja que bramia, o frade, braços abertos, lança aos ares, atroadoramente, o hino da Salve-Rainha! Sim, o hino da Salve- Rainha! O exército inteiro, escutando-o, freme... De todas as bocas, por um fascínio contagiante, começa então a subir para o céu o hino místico do frade: — Salve, Rainha! Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa! Salve... João Fernandes crava os olhos na peleja. De repente, num assomo, esporeia o cavalo. Aperreia o mosquete, e, à frente dos soldados, lança o grito de guerra: — Aos hereges! Aos hereges! E despenha-se na luta. Os soldados, com entusiasmos de fanáticos, rezando e cantando, lançam-se após ele. Então, no morro das Tabocas, é um pelejar fanático! São morteiros que atroam, bombas de artifício sacudindo os ares, pelouradas ensurdecedoras, colubrinas que estrondam, fumaradas enegrecendo o céu, sangue aos jorros, cadáveres pelo campo, toda uma algazarra louca, infernizante, debaixo do estrepitar das caixas e do trombetear angustioso das buzinas da guerra. Era noitinha, pontilham no alto as primeiras estrelas, quando João Blaar sentiu enfim o inútil do seu ataque. Pelas fileiras holandesas, deflagrando, reboou o grito fúnebre: — Salve-se quem puder! E foi uma debandada vertiginosa. João Fernandes ganhara uma vitória formidável.O reencontro das Tabocas fora altíssimo feito de guerra. Triunfo tão culminante, sabia-o bem o Governador da Liberdade, arremessaria o seu nome aos quatro ventos, popularizando-o por todos os ângulos do Brasil. Agora, para coroamento da façanha, era preciso que o Rei, o próprio D. João IV, soubesse, com detalhes, da vitória imensa. A vaidade do madeirense, só ao pensar nisso, entumescia-se. Ah, D. João IV iria falar nele! Agradecer a ele! Isso era a sua ambição. Era a sua paga e a sua apoteose. Glorioso, nessa mesma noite, o antigo menino de açougue chamou ao Frei Manuel: — Tenho necessidade de Vosmecê, frade... — É só mandar, João Fernandes! 89

www.nead.unama.br<br />

Monte ru<strong>de</strong>, ouriçado <strong>de</strong> tabocais medonhos, ermo selvagem e áspero, fora<br />

o sítio on<strong>de</strong> se embrenhara a horda rebel<strong>de</strong>. João Fernan<strong>de</strong>s escolhera-o com tino.<br />

Conhecia ele bem as sutilezas do terreno, os seus recortes e anfractos, todas as<br />

goelas abertas naquele morro bruto, invisíveis a olhos inespertos, tão disfarçadas<br />

estavam sob os caniços altos.<br />

O Governador da Liberda<strong>de</strong> entocaiou os soldados por aqueles<br />

escon<strong>de</strong>rijos. Dispôs forte companhia <strong>de</strong> homens à base do morro. No alto, lá no<br />

cocoruto, arranchou o seu quartel general. E esperou...<br />

Nesse mesmo dia, já o sol ia alto, os esculcas romperam açodadamente<br />

pelo acampamento:<br />

— Os holan<strong>de</strong>ses, General!<br />

— São muitos?<br />

— Uns três mil homens. João Blaar é quem comanda. Vêm eles em marcha<br />

forçada...<br />

João Fernan<strong>de</strong>s tocou febrilmente a reunir. Revistou os soldados, <strong>de</strong>u<br />

or<strong>de</strong>ns, emboscou as companhias pelas tabocas. Depois, <strong>de</strong> ma tenda, lá do alto do<br />

morro, cravou os óculos <strong>de</strong> cana por aquelas vastidões afora.<br />

De repente, nos longes do horizonte, tingindo o campo <strong>de</strong> vermelho, os<br />

holan<strong>de</strong>ses surgiram com estrépito. Marchavam galhardos, com os chapelões <strong>de</strong><br />

pluma, rufando com estrondo. Lá vinham à frente os mosqueteiros com os<br />

arcabuzes flamengos ao ombro e bala na boca; <strong>de</strong>pois, os lanceiros, ao centro,<br />

ouriçando o céu <strong>de</strong> piquês e <strong>de</strong> meio-piquês; e enfim o grosso dos infantes, bizarros<br />

e guapos, armados <strong>de</strong> espadas largas e pistolas <strong>de</strong> cavalgar.<br />

João Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixou-os aproximar. De súbito, a um gesto <strong>de</strong>le, Rodrigo<br />

Mendanha dispara o trabuco... A companhia <strong>de</strong> homens, que se postara à base do<br />

morro, larga-se num arranco e, entre uivos, num alarido feroz, precipitou-se como<br />

um tufão ao encontro dos belgas. O Capitão Fagun<strong>de</strong>s vai na frente, a espada cm<br />

punho, berrando:<br />

— Aos hereges! Aos hereges!<br />

Estrugem surriadas <strong>de</strong> mosquetaria. Os dois exércitos <strong>de</strong>spenham-se um no<br />

outro. É um choque bruto! Fagun<strong>de</strong>s, com suas arteirices, atacando e afastando,<br />

fugindo e resistindo, atrai manhosamente o inimigo para <strong>de</strong>ntro do tabocal. Mas eis<br />

que, <strong>de</strong> funda garganta do morro, surgem bruscamente os homens <strong>de</strong> Antônio<br />

Cardoso. Caem como raios, numa fúria, arrazando, fulminado, estraçalhando. Os<br />

holan<strong>de</strong>ses, colhidos <strong>de</strong> surpresa, recuam em tumulto, aparvalhadas. E foi um fugir<br />

<strong>de</strong>sabrido <strong>de</strong> belgas...<br />

Mas, os oficiais holan<strong>de</strong>ses, clamando e vociferando, recompõem a<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Num relâmpago, à frente <strong>de</strong> tropas frescas, lançam-se raivosamente à<br />

peleja. Alcançam os homens do Capitão Cardoso, tomam-lhe o reduto, avançam<br />

pelo tabocal. Mas naquela avançada louca, em que ia tudo razo, eis que estacam <strong>de</strong><br />

golpe, <strong>de</strong>snorteados. Das tabocas, como por encanto, reboa <strong>de</strong> novo,<br />

assanhadamente, brutíssima saraivada <strong>de</strong> tiros. E logo, <strong>de</strong> todo o lado, erguendo-se<br />

como sombras, os homens do Rabelinho tombam em catadupa sobre os hereges.<br />

Chacina infrene, sangueira <strong>de</strong>satada!<br />

E foi um outro fugir, mais tumultuoso, mais <strong>de</strong>sabalado...<br />

88

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!