Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
chefia dum vilão? Vosmecê, <strong>de</strong> sangue tão limpo, <strong>de</strong> gente tão alta, ao mando <strong>de</strong><br />
João Fernan<strong>de</strong>s? Ao mando do forro? Isso é lá possível?<br />
Antônio Cavalcanti abria os braços num <strong>de</strong>sconsolo:<br />
— Que se há <strong>de</strong> fazer?<br />
— Não é possível, tornava Bernardino com azedume. Não há quem acredite.<br />
Vosmecê, não outro, é que <strong>de</strong>via ser o nosso chefe. O exército inteiro sabe quem é<br />
João Fernan<strong>de</strong>s! O tipo, além <strong>de</strong> traste, é português. E esta campanha é <strong>de</strong><br />
brasileiros. Toda a tropa é só gente da terra.<br />
Antônio Cavalcanti ouvia aquilo com furor. Bernardino <strong>de</strong> Carvalho, <strong>de</strong><br />
repente fitou-o com brusqueza:<br />
— Se Vosmecê quiser, Antônio Cavalcanti, Vosmecê será o nosso chefe!<br />
Antônio Cavalcanti estacou. Os seus olhos fuzilaram:<br />
— Eu?<br />
— O exercito inteiro aclamará a Vosmecê...<br />
— Vosmecê está louco, Bernardino?<br />
— Não estou louco, não... Sei muito bem o que digo! Os cabos <strong>de</strong> guerra<br />
o<strong>de</strong>iam a João Fernan<strong>de</strong>s. Há um <strong>de</strong>sgosto geral. Ninguém quer saber <strong>de</strong>le no<br />
acampamento. O Capitão Fagun<strong>de</strong>s, ainda ontem, dizia isso com todas as letras. O<br />
próprio Amador <strong>de</strong> Araújo é por Vosmecê. É só querer, Antônio Cavalcanti. É só<br />
querer e Vosmecê será o chefe!<br />
Antônio Cavalcanti enrugou a fronte. Mordia-lhe o coração um <strong>de</strong>sejo bravio<br />
<strong>de</strong> suplantar o velho rival. E exclamava compungido:<br />
— É pesado aturar esse homem... Um mulato!<br />
— É pesado, incitava Bernardino <strong>de</strong> Carvalho; pesadíssimo! Vosmecê é um<br />
dos mais antigos na conjuração. Vosmecê sempre foi contra os flamengos. Vosmecê<br />
nunca tirou proveito <strong>de</strong>les; nunca recebeu uma dádiva, uma honra, nada! Nem<br />
sequer foi escolhido para escabino. Tudo isso foi para João Fernan<strong>de</strong>s. E Vosmecê<br />
agora, Antônio Cavalcanti, a obe<strong>de</strong>cer or<strong>de</strong>ns do a<strong>de</strong>rente... A receber or<strong>de</strong>ns do<br />
último que chegou?<br />
— É duro, Bernardino <strong>de</strong> Carvalho! É uma injustiça que dói.<br />
surda:<br />
De golpe, batendo forte no ombro do amigo, Cavalcanti interpelou-o com voz<br />
— Vosmecê está bem seguro <strong>de</strong> que os cabos são por mim?<br />
— Estou perfeitamente certo! Vosmecê quer ouvi-los, Antônio Cavalcanti?<br />
Ora, espere. Eu os trago aqui num pulo.<br />
Partiu. Fora, mal saiu da barraca, Bernardino <strong>de</strong> Carvalho topou<br />
estranhamente com um negro que se afastava rápido. Reconheceu-o logo:<br />
— Olá, Bastião!<br />
82