O Príncipe de Nassau - Unama

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www.nead.unama.br Brasil. A Capitania inteira moveu-se para a despedida. Os membros do Supremo Conselho, escabinos e escoltetos de todas as Câmaras, poderosos senhoresd'engenho, capitães das fortalezas, companhias e companhias de soldados, tudo lá foi, num séqüito pomposo, por léguas de caminho, acompanhando respeitosamente o homem que governara o Brasil durante oito anos fulgurantes. O grande político rumou caminho da Paraíba. Acampou-se naquela Capitania. Esperou aí pelas naus que deviam conduzi-lo para os Estados. Antes da partida, porém, com surpresa e espanto, viu Maurício surgir diante de si o vulto esganiçado de Gaspar Dias. Vinha o rábula num desespero, aturdido, devorando sertões, com medo agoniante no coração. O Príncipe, ao vê-lo, gritou alarmado: — Que há, Gaspar Dias? Que é que trouxe a Vosmecê assim tão descomposto? Gaspar Dias, abrindo os braços: — Revolução! Revolução, Príncipe! Revolução por toda a parte! — Que diz Vosmecê? Exclamou Maurício, chocado; que diz Vosmecê aí, Gaspar Dias? — Pará e Maranhão já se rebelaram contra Holanda. Vai por lá tremenda carniçaria. Henrique Dias atravessou o Rio Real com os seus negros. Camarão, à frente dos índios deixou o mato. Só falta, Príncipe, a revolução rebentar no próprio Pernambuco, E isso é já... Maurício franziu o sobrolho: — Como Vosmecê sabe de tudo isso, Gaspar Dias? — Por mensageiros que chegaram à Maurícia. Todos os Governadores mandaram pedir socorros. O Supremo Conselho reuniu-se. Eu fui ouvido... — Vosmecê, atalhou Maurício, diante de fatos assim graves, que é que pretende fazer? — Uma coisa só, Príncipe; e é isto: partir para a Holanda! — Quê? — Partir para a Holanda! Partir com Vossa Alteza! Brasil já não me tenta. Quero ir-me desta terra. E longe, sem arriscar a vida e os teres, quero assistir ao vai suceder cá pela colônia... No outro dia, seguido pelo seu velhaquíssimo amigo, Maurício de Nassau embarcava para a Holanda. Partiu assim do Brasil a figura mais culminante da época. Ninguém, como esse Príncipe, enchera a Colônia de fama tão alta. É que Maurício de Nassau aqui aportara com a alma ressoante de entusiasmos. Trouxera para o país novo a sua energia moça, galharda, sôfrega de realizações magníficas. Guerreiro e político, artista e fidalgo, culto de toda a cultura de seu tempo, sonhara Maurício transplantar na terra virgem todas as conquistas civilizadoras da sua Pátria. Foi ele o primeiro que lançou na América, com as Câmaras dos Escabinos, os primórdios da representação popular. Foi ele o primeiro que, inacreditavelmente, com um modernismo chocante esses obscuros tempos, convocou essas mesmas câmaras numa Assembléia Representativa, assembléia essa que legislou sobre as necessidades da terra. Foi ele que se bateu vigorosamente, em meio da tormenta religiosa, pela liberdade de todos 78

www.nead.unama.br os cultos. Foi ele que conseguiu de Holanda, com um tino genialíssimo, que o nobilita, a abertura dos portos da Colônia a todas as nações d0 mundo. Mas não foi só isso. Além desses rasgos políticos, tão prodigiosamente avançados para a época, Maurício aformoseou com decoro os seus Estados. A Cidade Maurícia, que ele construiu com carinho, sob um plano traçado pelo seu próprio punho, foi, no consenso unânime dos que a viram, uma prodigiosa realização. O Palácio de Friburgo, tão celebrado nas crônicas coevas, arremessou longe, pelos sertões mais rudes, a fama da sua opulência e da sua grandeza. O sulco dessa passagem do Príncipe, não há dúvida, marcou fundo o seu porte de gigante. Seria o único homem capaz de consolidar na América a conquista flamenga. E eis porque, ao partir daqui, por uma impolítica gritante, partiu com ele, para todo o sempre, o domínio holandês no Brasil. As notícias que arrebentaram na Cidade Maurícia aterrorizaram aos três do Supremo Conselho. Os homens mal acreditavam no que ouviam. O levante do Maranhão sacudiu-os. A marcha depredadora de Camarão e Henrique Dias estatelouos. Foi um pânico! Diante de tanta borrasca, apavorados, reuniram-se para decidir. Hamel, mercante de Amsterdan, Bollestrate, antigo carpinteiro de Midleburgo, Pedro Bas, traficante de negros, são agora os sucessores de Maurício. Os três, dentro do Palácio de Friburgo, discutem com alvoroço, ansiadamente, os acontecimentos incríveis. Eis que, rompendo pela sala do Conselho, surge Sebastião de Carvalho. Sebastião de Carvalho! É aquele estranho lavrador de pau-de-tinta, aquele homem sombrio, de poucas falas, que traz no coração grandes ódios recalcados. Amigo dos flamengos, Parceiro devotado deles, a palavra do miserável tem uma autoridade única. Os três do Supremo Conselho ouvem-no. Ouvem-no estuporados, os cabelos no ar, una assombro idiota nos olhos. E Sebastião de Carvalho, infame e cínico, delata com firmeza. — A rebelião desencadeia-se já, meus senhores! João Fernandes e Antônio Cavalcanti são os chefes. André Vidal foi a alma que a tramou. Está tudo preste a romper. Os revoltosos, na ceia de João Fernandes, assinaram um pacto de morte. O plano é este: por ocasião do casamento dos filhos de Cavalcanti com os cunhados de João Fernandes, realizar-se-á, com grandes pompas, a festa das bodas. Para essa festa, como é notório, Vosmecês todos já foram convidados. Pois bem, no meio da alegria, quando, desprevenidos, estiverem todos a se divertir, os revoltosos cairão de surpresa sobre Vosmecês... Vai ser chacina! Não ficará vivo um só holandês! Foi por aí afora. Denunciou tudo. Enumerou nome por nome. Desvendou detalhe por detalhe. Os homens escutaram-no suspensos, devorando-lhe as palavras. — Mas, como Vosmecê sabe de tudo isso, Sebastião de Carvalho? — Como sei? Imaginem que o meu irmão, Bernardino de Carvalho, é revolucionário.E, como tal, compareceu à festa de Vieira. Foi dos primeiros a assinar o compromisso de Vidal. Mas como é meu irmão, e quer abrigar-me de qualquer surpresa, revelou-me toda a conjuração! Quer à viva força que eu fuja da Capitania.. 31 31 John Nieuhoff, Voyage and Travels to Brasil, pág 51: "The Great Council was, by the deposition of Sebastian Karvailho, fully convinced the treachery of John Fernandes Vieira and his adherentes... etc.". 79

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os cultos. Foi ele que conseguiu <strong>de</strong> Holanda, com um tino genialíssimo, que o nobilita,<br />

a abertura dos portos da Colônia a todas as nações d0 mundo.<br />

Mas não foi só isso. Além <strong>de</strong>sses rasgos políticos, tão prodigiosamente<br />

avançados para a época, Maurício aformoseou com <strong>de</strong>coro os seus Estados. A<br />

Cida<strong>de</strong> Maurícia, que ele construiu com carinho, sob um plano traçado pelo seu<br />

próprio punho, foi, no consenso unânime dos que a viram, uma prodigiosa<br />

realização. O Palácio <strong>de</strong> Friburgo, tão celebrado nas crônicas coevas, arremessou<br />

longe, pelos sertões mais ru<strong>de</strong>s, a fama da sua opulência e da sua gran<strong>de</strong>za. O<br />

sulco <strong>de</strong>ssa passagem do <strong>Príncipe</strong>, não há dúvida, marcou fundo o seu porte <strong>de</strong><br />

gigante. Seria o único homem capaz <strong>de</strong> consolidar na América a conquista<br />

flamenga. E eis porque, ao partir daqui, por uma impolítica gritante, partiu com ele,<br />

para todo o sempre, o domínio holandês no Brasil.<br />

As notícias que arrebentaram na Cida<strong>de</strong> Maurícia aterrorizaram aos três do<br />

Supremo Conselho. Os homens mal acreditavam no que ouviam. O levante do<br />

Maranhão sacudiu-os. A marcha <strong>de</strong>predadora <strong>de</strong> Camarão e Henrique Dias estatelouos.<br />

Foi um pânico! Diante <strong>de</strong> tanta borrasca, apavorados, reuniram-se para <strong>de</strong>cidir.<br />

Hamel, mercante <strong>de</strong> Amsterdan, Bollestrate, antigo carpinteiro <strong>de</strong><br />

Midleburgo, Pedro Bas, traficante <strong>de</strong> negros, são agora os sucessores <strong>de</strong> Maurício.<br />

Os três, <strong>de</strong>ntro do Palácio <strong>de</strong> Friburgo, discutem com alvoroço,<br />

ansiadamente, os acontecimentos incríveis. Eis que, rompendo pela sala do<br />

Conselho, surge Sebastião <strong>de</strong> Carvalho.<br />

Sebastião <strong>de</strong> Carvalho! É aquele estranho lavrador <strong>de</strong> pau-<strong>de</strong>-tinta, aquele<br />

homem sombrio, <strong>de</strong> poucas falas, que traz no coração gran<strong>de</strong>s ódios recalcados.<br />

Amigo dos flamengos, Parceiro <strong>de</strong>votado <strong>de</strong>les, a palavra do miserável tem uma<br />

autorida<strong>de</strong> única. Os três do Supremo Conselho ouvem-no. Ouvem-no estuporados,<br />

os cabelos no ar, una assombro idiota nos olhos. E Sebastião <strong>de</strong> Carvalho, infame e<br />

cínico, <strong>de</strong>lata com firmeza.<br />

— A rebelião <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia-se já, meus senhores! João Fernan<strong>de</strong>s e Antônio<br />

Cavalcanti são os chefes. André Vidal foi a alma que a tramou. Está tudo preste a<br />

romper. Os revoltosos, na ceia <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s, assinaram um pacto <strong>de</strong> morte. O<br />

plano é este: por ocasião do casamento dos filhos <strong>de</strong> Cavalcanti com os cunhados <strong>de</strong><br />

João Fernan<strong>de</strong>s, realizar-se-á, com gran<strong>de</strong>s pompas, a festa das bodas. Para essa<br />

festa, como é notório, Vosmecês todos já foram convidados. Pois bem, no meio da<br />

alegria, quando, <strong>de</strong>sprevenidos, estiverem todos a se divertir, os revoltosos cairão <strong>de</strong><br />

surpresa sobre Vosmecês... Vai ser chacina! Não ficará vivo um só holandês!<br />

Foi por aí afora. Denunciou tudo. Enumerou nome por nome. Desvendou<br />

<strong>de</strong>talhe por <strong>de</strong>talhe. Os homens escutaram-no suspensos, <strong>de</strong>vorando-lhe as palavras.<br />

— Mas, como Vosmecê sabe <strong>de</strong> tudo isso, Sebastião <strong>de</strong> Carvalho?<br />

— Como sei? Imaginem que o meu irmão, Bernardino <strong>de</strong> Carvalho, é<br />

revolucionário.E, como tal, compareceu à festa <strong>de</strong> Vieira. Foi dos primeiros a assinar o<br />

compromisso <strong>de</strong> Vidal. Mas como é meu irmão, e quer abrigar-me <strong>de</strong> qualquer<br />

surpresa, revelou-me toda a conjuração! Quer à viva força que eu fuja da Capitania.. 31<br />

31 John Nieuhoff, Voyage and Travels to Brasil, pág 51: "The Great Council was, by the <strong>de</strong>position of Sebastian<br />

Karvailho, fully convinced the treachery of John Fernan<strong>de</strong>s Vieira and his adherentes... etc.".<br />

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