O Príncipe de Nassau - Unama
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www.nead.unama.br Rodrigo arregalou os olhos, bestificado. Diante daquele espanto, o Capitão sacudiu-o com força: — Você tem um companheiro de confiança? — Tenho! — Quem é? — O Bastião... — O Bastião? Exclamou Tourlon, pasmado; o carcereiro? — Esse mesmo! — Bravíssimo! Não pode ser melhor. Dentro de meia hora, meu rapaz, vocês terão dois cavalos às ordens. Sejam felizes! Adeus... Meia hora depois Rodrigo e Bastião, envoltos em grandes mantéus de capuz, voavam como loucos, fantásticos, a caminho do engenho de João Fernandes. Eis porque, naquele instante, Carlos Tourlon entrou pálido, nervosamente, na Câmara do Príncipe. A voz tremia-lhe: — Alteza! Nassau encarou-o. E com a mais rude bruteza d0 gestos: — E Rodrigo? É certo o que acabo de saber? — É Alteza. O preso fugiu. — Mas fugiu como? — Subornou o carcereiro que o vigiava. Ambos, não se sabe de que jeito, escaparam juntos da Fortaleza. — Mas isto é um escândalo, Capitão! Uma farsa! Tourlon defendeu-se como pôde: — Que podia eu fazer, Alteza? Encarcerei o moço. Encarcerei-o com sentinela à vista. Vossa Alteza bem vê que tomei a maior precaução. Mas vai o guarda e entende-se com o preso. Preparam a fuga. Fogem! Que culpa, Príncipe, é que me cabe nesta fatalidade? Nassau fitava-o com uma fúria chispante. Depois, num escachôo, borbulhando: — Sabe o que mais, Capitão? Eu devia mandar enforcar a Vosmecê. Vosmecê é um traidor. Um vendido! — Alteza! — Um vendido! Toda a gente me dizia que Vosmecê atraiçoava a Holanda. Que andava metido entre conjurados. Eu não quis jamais dar crédito aos delatores. Mas vejo agora que errei. Vosmecê é um traidor! E para que se acabem, uma vez por todas, essas torpezas e patifarias, Vosmecê está demitido! Ouviu? Amanhã, sem mais tardança, Vosmecê embarcará no veleiro que está no porto, partirá direto para os Estados. Não quero que Vosmecê permaneça aqui mais um instante. Quero que saia da minha vista! Quero que saia para nunca mais... Carlos Tourlon ouviu a ordem fulminante. Fitou o Príncipe bem nos olhos. Sorriu um sorriso irônico: 76
www.nead.unama.br — Partirei, Príncipe; mas, antes de partir, peço a Vossa Alteza uma graça. Uma só! Cem ela, creia-me, estarei pago destes longos anos de América: suplico à Vossa Alteza que ordene a D. Ana Pais ficar no Brasil. Quero partir só. Deixo-a para quem quiser... D. Ana pulou: — Vosmecê se engana! Eu é que não quero acompanhá-lo! Tenho pejo de seguir ao lado dum miserável como Vosmecê. Pode partir sozinho! Partir expulso daqui como traidor. O Príncipe interveio: — Basta! Está decidido: Vosmecê partirá sozinho. E partirá amanhã, sem mais tardança 30 . Com um gesto duro, apontando a porta da saída, bradou áspero: — Retire-se! Pieres Boniuz, mestre-sala do Palácio, varejou nesse momento pela câmara a dentro: Alteza. — Estão repletos os salões, Príncipe. Os cômicos só esperam por Vossa Maurício, como batido por uma lufada de ar frio, amainou as suas cóleras. Compôs o semblante. Desanuviou o cenho. Afofou os bofes de renda. Depois, virando-se para D. Ana, muito solícito: — E Segismundo Starke? — Não morreu, Príncipe. O doutor Pison garante que o salva. Por isso lá está, com os seus ungüentos, à cabeceira do rapaz. — Ainda bem! E Nassau, já serenado, como se nada houvesse acontecido: — Vamos para o salão? E lã se foram todos assistir à representação dos cômicos. Foi naquela tarde de cavalhadas, portanto, que Maurício recebera a ordem de partir para os estados. Sua Alteza não se fez esperar. Anunciou a partida, largou o governo na mão dos sucessores, e aprestou-se. Aprestou-se celeremente. Dentro de poucos dias, na Cidade Maurícia, reboou grande estrépito de caixas e clarins: o grande Príncipe de Nassau deixava definitivamente a terra do 30 Frei Calado, pág. 61: "Esse capitulo da carta mostrou o príncipe; e deitando o pensamento a que poderia ser o mexeriqueiro, resolveu que dentro de sua casa lhe avião feito o mal. E logo tirou ó ofício a Carlos Tourlon, que era o Capitão da Guarda, etc.". Varnhagem, pág. 172: "acreditou-se que estava entre os conjurados o próprio Carlos Tourlon, Comandante da Guarda de Nassau, casado com a bella pernambucana D Anna Paes". 77
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— Partirei, <strong>Príncipe</strong>; mas, antes <strong>de</strong> partir, peço a Vossa Alteza uma graça.<br />
Uma só! Cem ela, creia-me, estarei pago <strong>de</strong>stes longos anos <strong>de</strong> América: suplico à<br />
Vossa Alteza que or<strong>de</strong>ne a D. Ana Pais ficar no Brasil. Quero partir só. Deixo-a para<br />
quem quiser...<br />
D. Ana pulou:<br />
— Vosmecê se engana! Eu é que não quero acompanhá-lo! Tenho pejo <strong>de</strong><br />
seguir ao lado dum miserável como Vosmecê. Po<strong>de</strong> partir sozinho! Partir expulso<br />
daqui como traidor.<br />
O <strong>Príncipe</strong> interveio:<br />
— Basta! Está <strong>de</strong>cidido: Vosmecê partirá sozinho. E partirá amanhã, sem<br />
mais tardança 30 .<br />
Com um gesto duro, apontando a porta da saída, bradou áspero:<br />
— Retire-se!<br />
Pieres Boniuz, mestre-sala do Palácio, varejou nesse momento pela câmara<br />
a <strong>de</strong>ntro:<br />
Alteza.<br />
— Estão repletos os salões, <strong>Príncipe</strong>. Os cômicos só esperam por Vossa<br />
Maurício, como batido por uma lufada <strong>de</strong> ar frio, amainou as suas cóleras.<br />
Compôs o semblante. Desanuviou o cenho. Afofou os bofes <strong>de</strong> renda.<br />
Depois, virando-se para D. Ana, muito solícito:<br />
— E Segismundo Starke?<br />
— Não morreu, <strong>Príncipe</strong>. O doutor Pison garante que o salva. Por isso lá<br />
está, com os seus ungüentos, à cabeceira do rapaz.<br />
— Ainda bem!<br />
E <strong>Nassau</strong>, já serenado, como se nada houvesse acontecido:<br />
— Vamos para o salão?<br />
E lã se foram todos assistir à representação dos cômicos.<br />
Foi naquela tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> cavalhadas, portanto, que Maurício recebera a or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> partir para os estados. Sua Alteza não se fez esperar. Anunciou a partida, largou<br />
o governo na mão dos sucessores, e aprestou-se. Aprestou-se celeremente.<br />
Dentro <strong>de</strong> poucos dias, na Cida<strong>de</strong> Maurícia, reboou gran<strong>de</strong> estrépito <strong>de</strong><br />
caixas e clarins: o gran<strong>de</strong> <strong>Príncipe</strong> <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong> <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong>finitivamente a terra do<br />
30 Frei Calado, pág. 61: "Esse capitulo da carta mostrou o príncipe; e <strong>de</strong>itando o pensamento a que po<strong>de</strong>ria ser o<br />
mexeriqueiro, resolveu que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua casa lhe avião feito o mal. E logo tirou ó ofício a Carlos Tourlon, que<br />
era o Capitão da Guarda, etc.". Varnhagem, pág. 172: "acreditou-se que estava entre os conjurados o próprio<br />
Carlos Tourlon, Comandante da Guarda <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>, casado com a bella pernambucana D Anna Paes".<br />
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