O Príncipe de Nassau - Unama

O Príncipe de Nassau - Unama O Príncipe de Nassau - Unama

nead.unama.br
from nead.unama.br More from this publisher
19.04.2013 Views

www.nead.unama.br Nada mais estonteador do que aquele marchetado torvelinho de damas. Ali, as coifas de ramais de seda, as vasquinhas de tafetá, as saias de girão, as mangas golpeadas, os chapins de fivela de ouro, os corpilhos de cetim muito atacados na cinta... D. Ana Pais estava no camarote do Príncipe, veio espaventosa, recamada de jóias, pingentes nas orelhas, afogadeira de rubis ao pescoço, a fulgir dentro da sua rica aljuba lavrada e da sua imensa saia-rodada coberta de bretanhas. Gilberto Van Dirth, sempre adamado e casquilho, não se despregava um instante dela, devorando-a, cortejando-a com escândalo, suspirosamente. Rodrigo Mendanha, ao desfilar pela Praça, correra olhos febrentos por aquela multidão faustosa. De repente com um uivo de dor, o rapaz viu no camarote de João Blaar a cena lancinante: Carlota Haringue e Segismundo Starke. Os noivos vieram assistir à tarde das cavalhadas. Rodrigo contemplou-os por um segundo. O sangue, num alvoroço, chofrou-lhe febrilmente ao rosto. Que angústia! O seu desejo, naquele instante, era pular no camarote, agarrar Carlota, derrubá-la na garupa do seu cavalo, fugir com ela pelo mundo. As duas alas deram volta à Praça. Estacaram diante do pavilhão dos juizes. Ai, com primor e gentileza, os cavaleiros desembainharam as espadas. Feita a saudação do estilo, desencadearam atordoantes as charamelas: e os cavaleiros, debaixo de braçadas de flores, saíram a correr a primeira lança. A primeira lança... Ah, foi um encontro férvido! As duas alas, num galope solto, precipitaram-se uma na outra, a lança em punho, como em combate sangrento. O ginete de Carlos Tourlon, tropeçando, desgarrou-se do bando. O cavaleiro não pôde se medir com o adversário. Mas, as duas alas chocaram-se rijamente. Chocaram-se com fúria. No ímpeto do choque, houve cavalos que baquearam e cavaleiros que desabaram. Fernandes Vieira, no entanto, portou-se com soberba mestria. Muito airoso e composto, a lança em riste, foi o único torneador que agüentou firme na sela. Foi o único: todos os demais competidores, findo o encontro, ou estavam por terra ou estavam sem ginete. Estrugiram ovações reboantes! O poderoso senhor-de-engenho conquistara galhardamente o prêmio de honra. Mas, os juizes eram flamengos. Doeu-lhes a vitória do madeirense. Por isso, ao verem Carlos Tourlon desgarrado das alas, serviram-se desse pretexto para anular a justa: mandaram correr mais outra lança. A5 quadrilhas, com o mesmo ímpeto, precipitaram-se uma na outra. Novo choque flamejante. Mas, Fernandes Vieira continuou o primeiro. O madeirense, mais uma vez, foi o único que não caiu da sela: ganhara briosamente aquela lança. O vencedor subiu ao palanque onde estavam os juizes. D. Ana Pais, convidada para entregar os mimos, escolheu na salva de prata um trancelim cravejado de pedras. A linda pernambucana, com o seu melhor sorriso, ofertou-o graciosamente ao cavaleiro triunfante. João Fernandes agradeceu, tomou da jóia, virou-se para Carlos Tourlon, o seu competidor, apresentou-o cavalheirescamente: — Permita, Carlos Tourlon, que eu ofereça a Vosmecê este mimo. E entregou-lhe o trancelim 28 . Tempestuaram palmas. A música rompeu com vivo estrépito. E continuaram os torneios... 28 Frei Calado traz, com esse e outros detalhes, a descrição minuciosa das cavalhadas. 70

www.nead.unama.br Que tarde cheia! Lanças, alcanzias, jogos de cana, tira-cabeça, corrida aos patos. Tudo foi disputado com desempeno loução. Rodrigo Mendanha desistira de correr lança. A cabeça fervia-lhe. As têmporas latejavam-lhe esbraseadas. Toda a tarde, oculto atrás dos palanques, o rapaz esmoera-se num desespero. Afinal, pelo vasto pátio embandeirado, estrugiu grande alarido de júbilo. Prorrompeu de todo o lado um grito só: — Argolinhas! Argolinhas! É que os escravos, cortando o circo, distendiam a corda das argolinhas. Era a hora suprema. As moças casadouras fremiam de ânsia. Não havia rapariga que não sentisse pular o coração, ao receber diante do olhar do povo, a prenda que conquistasse o seu cavaleiro. Frei Manuel, com jeito, muito discretamente, descera das paliçadas e correra à cata de Rodrigo: — Você está louco, rapaz! Os belgas andam a chalacear a sua ausência. Deixe de fraquezas! Vá disputar as argolinhas! Mostre quem é você! O rapaz encarou no frade com fúria. Aquilo alfinetou-lhe o coração. Aquele "mostre quem é você" lanhou-lhe o orgulho como uma espadeirada. Virou-se com assomo: — Fique sossegado, frade! Eu vou mostrar quem sou eu! Afogueado, com um pulo nervoso, saltou para o baio. Havia nele estranha deliberarão. Frei Manuel assustou-se. — Que irá fazer esse desmiolado? Rodrigo Mendanha entrou na liça. Vinha pálido e belo. O lustre do traje ressaltava-lhe o garboso do donaire. Saio chamalotado, pantalonas de cetim azulferrete. mangas tufadas, forro de veludo negro, o terçado de copos no talim de prata. Por todos os pavilhões, ao vê-lo, foi um murmúrio só: — Que soberbo garção! Rodrigo, a lança em punho, a cabeça erguida, correu orgulhosamente os olhos pelos camarotes. Avançou até as alas dos cavaleiros. Enfileirou-se aos demais. Sofreou o halo. Esperou. De súbito, atroaram os adufes. Era o sinal. Os cavaleiros, curvos na sela, fincaram-se pelo pátio como um furacão. Foi um redemoinho de pó! Dez segundo de anseio, de palpitação. O coração dos espectadores estrondejava forte no peito. E todos eles, quando os cavalos estacaram, cravaram olhos sôfregos nos lidadores: Rodrigo Mendanha era o único que trazia a argolinha bailando na lança! Estrugiram brados e reboaram aclamações: — Rodrigo Mendanha! 71

www.nead.unama.br<br />

Que tar<strong>de</strong> cheia! Lanças, alcanzias, jogos <strong>de</strong> cana, tira-cabeça, corrida aos<br />

patos. Tudo foi disputado com <strong>de</strong>sempeno loução.<br />

Rodrigo Mendanha <strong>de</strong>sistira <strong>de</strong> correr lança. A cabeça fervia-lhe. As<br />

têmporas latejavam-lhe esbraseadas. Toda a tar<strong>de</strong>, oculto atrás dos palanques, o<br />

rapaz esmoera-se num <strong>de</strong>sespero.<br />

Afinal, pelo vasto pátio emban<strong>de</strong>irado, estrugiu gran<strong>de</strong> alarido <strong>de</strong> júbilo.<br />

Prorrompeu <strong>de</strong> todo o lado um grito só:<br />

— Argolinhas! Argolinhas!<br />

É que os escravos, cortando o circo, distendiam a corda das argolinhas.<br />

Era a hora suprema. As moças casadouras fremiam <strong>de</strong> ânsia. Não havia<br />

rapariga que não sentisse pular o coração, ao receber diante do olhar do povo, a<br />

prenda que conquistasse o seu cavaleiro.<br />

Frei Manuel, com jeito, muito discretamente, <strong>de</strong>scera das paliçadas e correra<br />

à cata <strong>de</strong> Rodrigo:<br />

— Você está louco, rapaz! Os belgas andam a chalacear a sua ausência.<br />

Deixe <strong>de</strong> fraquezas! Vá disputar as argolinhas! Mostre quem é você!<br />

O rapaz encarou no fra<strong>de</strong> com fúria. Aquilo alfinetou-lhe o coração. Aquele<br />

"mostre quem é você" lanhou-lhe o orgulho como uma espa<strong>de</strong>irada. Virou-se com<br />

assomo:<br />

— Fique sossegado, fra<strong>de</strong>! Eu vou mostrar quem sou eu!<br />

Afogueado, com um pulo nervoso, saltou para o baio. Havia nele estranha<br />

<strong>de</strong>liberarão. Frei Manuel assustou-se.<br />

— Que irá fazer esse <strong>de</strong>smiolado?<br />

Rodrigo Mendanha entrou na liça. Vinha pálido e belo. O lustre do traje<br />

ressaltava-lhe o garboso do donaire. Saio chamalotado, pantalonas <strong>de</strong> cetim azulferrete.<br />

mangas tufadas, forro <strong>de</strong> veludo negro, o terçado <strong>de</strong> copos no talim <strong>de</strong> prata.<br />

Por todos os pavilhões, ao vê-lo, foi um murmúrio só:<br />

— Que soberbo garção!<br />

Rodrigo, a lança em punho, a cabeça erguida, correu orgulhosamente os<br />

olhos pelos camarotes. Avançou até as alas dos cavaleiros. Enfileirou-se aos<br />

<strong>de</strong>mais. Sofreou o halo. Esperou.<br />

De súbito, atroaram os adufes. Era o sinal.<br />

Os cavaleiros, curvos na sela, fincaram-se pelo pátio como um furacão. Foi<br />

um re<strong>de</strong>moinho <strong>de</strong> pó! Dez segundo <strong>de</strong> anseio, <strong>de</strong> palpitação. O coração dos<br />

espectadores estron<strong>de</strong>java forte no peito. E todos eles, quando os cavalos<br />

estacaram, cravaram olhos sôfregos nos lidadores: Rodrigo Mendanha era o único<br />

que trazia a argolinha bailando na lança!<br />

Estrugiram brados e reboaram aclamações:<br />

— Rodrigo Mendanha!<br />

71

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!