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— Que é aquilo, Carlos Tourlon? Hoje também há festa em casa <strong>de</strong> João<br />
Blaar?<br />
— Festa, sim, <strong>Príncipe</strong>; e festa gran<strong>de</strong>! É que estão lá a brindar o ajuste do<br />
casamento <strong>de</strong> Segismundo Starke com Carlota Haringue. Segismundo parte<br />
amanhã, no patacho <strong>de</strong> Israel Voss, a levar os barris <strong>de</strong> pólvora para Cabe<strong>de</strong>lo. Por<br />
isso a festa dos esponsais é hoje; o casamento fica para a volta.<br />
Maurício olhou o Capitão, com surpresa. Os seus olhos fuzilaram,<br />
interrogativos. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma pausa:<br />
— Carlota vai casar-se com Segismundo?<br />
— Vai, <strong>Príncipe</strong>.<br />
— E Rodrigo, inquiriu Maurício; e Rodrigo, o afilhado <strong>de</strong> André Vidal <strong>de</strong><br />
Negreiros?<br />
— Esse, naturalmente, ficará a espera <strong>de</strong> outra, tornou Carlos Tourlon; <strong>de</strong>sta<br />
vez foi Segismundo quem pescou a truta.<br />
— Bela rapariga, em verda<strong>de</strong>, exclamou <strong>Nassau</strong>; é a mais bela <strong>de</strong> todas as<br />
que eu tenho visto no Brasil! Nem sei <strong>de</strong> outra que se lhe compare...<br />
Tinham chegado a Friburgo. Soaram <strong>de</strong> novo os clarins. Rufaram os<br />
tambores. Os soldados bateram forte as alabardas no chão. Maurício saltou da sela.<br />
E virando-se para o Capitão:<br />
— Vosmecê <strong>de</strong>seja ir à festa <strong>de</strong> João Blaar, Carlos Tourlon?<br />
— Se Vossa Alteza consentir, <strong>Príncipe</strong>.<br />
— Pois vá. Hoje não careço mais <strong>de</strong> Vosmecê.<br />
Arremessando as ré<strong>de</strong>as ao pagem, João Maurício <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>, o mui<br />
po<strong>de</strong>roso <strong>Príncipe</strong>, galgou as escadarias do Palácio <strong>de</strong> Friburgo.<br />
Carlota Haringue<br />
Carlos Tourlon entrou em casa <strong>de</strong> João Blaar. Era este "o mais cruel e o<br />
mais <strong>de</strong>sumano homem que dos <strong>de</strong> sua nação entrou em Pernambuco". "O mais<br />
duro e o mais cruel holandês que viram as ida<strong>de</strong>s" 2 .<br />
Ia lá <strong>de</strong>ntro um fim <strong>de</strong> ceia barulhento. Ria-se muito. Discutia-se com<br />
vivacida<strong>de</strong>. A vinhaça do regabofe soltara a língua dos comensais. Que vozerio<br />
<strong>de</strong>strabelhado!<br />
Pela vasta mesa, que altos can<strong>de</strong>labros alumiavam, restos <strong>de</strong> comezaina<br />
espalhavam-se em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m: arenques <strong>de</strong>fumados, viandas entrouchadas,<br />
botelhas <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte, queijos <strong>de</strong> Holanda, brôtes.<br />
Os convivas eram poucos. Flamengos e portugueses. Tudo gente graúda.<br />
João Blaar, o odiado, o carniceiro João Blaar, rival do bárbaro Jacob Rabbi,<br />
aquele branco selvagem que vivia entre bugres, — João Blaar, o Comandante dos<br />
Burgueses, lá estava à cabeceira da mesa, uniforme <strong>de</strong> calções berrantes, com a<br />
sua cara longa <strong>de</strong> facínora, os seus ruivos bigodões <strong>de</strong> brutamonte. Ao lado <strong>de</strong>le,<br />
muito custosa e garrida, vestido <strong>de</strong> veludo escuro, coifa <strong>de</strong> rendas, enormes bichas<br />
nas orelhas, a rumorosa D. Ana Pais, pernambucana <strong>de</strong> olhos pretos, muito<br />
2<br />
D. Domingos Loreto, Desagravos do Brasil e Glória <strong>de</strong> Pernambuco, Liv. VII (An. da Bib. Nac. vol. 25 fls III)<br />
e Frei Calado, Valoroso Luci<strong>de</strong>no.<br />
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