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ceia.<br />
www.nead.unama.br<br />
— Deixem-se <strong>de</strong> segredos, senhores, que os convidados já estão ai para a<br />
Os convidados, <strong>de</strong> fato, começavam a surgir. O primeiro que apareceu foi<br />
Bernardino <strong>de</strong> Carvalho, irmão daquele estranho Sebastião <strong>de</strong> Carvalho, inimigo<br />
odiento <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s. Logo após, austero e solene, cem as suas barbas<br />
respeitosas, o sogro da casa, Francisco Berenger <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, juiz ordinário <strong>de</strong> alta<br />
circunspecção na Capitania. Depois, pisando miúdo, a toledana no talim <strong>de</strong> prata,<br />
Cosme <strong>de</strong> Araújo, alto e magro, muito ossudo, sempre a burlar contra os<br />
holan<strong>de</strong>ses. Em seguida, Antônio Bezerra, cortador <strong>de</strong> toras <strong>de</strong> brasil, feições<br />
ásperas e queimadas <strong>de</strong> sol, com o seu ar <strong>de</strong> honra<strong>de</strong>z e <strong>de</strong> singeleza rústica. O<br />
velho Uchoa, o Antônio Borges, opulento moedor <strong>de</strong> canas. lá compareceu também<br />
com os seus cabelos brancos, com a sua bela estampa <strong>de</strong>corativa e patriarcal.<br />
Amaro Lopes, chato e redondinho, famoso pelas suas lavouras <strong>de</strong> pimenta, entrou<br />
muito vistoso, com o sombreiro <strong>de</strong> plumas, as esporas rangedoras nas botas <strong>de</strong><br />
couro cru. Nem faltou o Padre Diogo com os seus olhos esgrouvinhados, <strong>de</strong> míope,<br />
nem o Pantaleão Cirne com o seu pigarro atroante.<br />
O último a entrar foi Antônio Cavalcanti. Homem soberbo! A fronte alta, olhos<br />
dominadores, o arrogante pernambucano tinha ares atrevidos, empáfia altaneira <strong>de</strong><br />
dom fidalgo.<br />
A ceia correu alegre, muito ruidosa e quente. Os comensais, com estreita<br />
cordialida<strong>de</strong>, palraram <strong>de</strong>strambelhadamente. Aqui, como em toda a parte, foi a<br />
aclamação <strong>de</strong> D. João IV o foco da conversa.<br />
— Sabe, André Vidal, exclamava João Fernan<strong>de</strong>s, que o <strong>Príncipe</strong> resolveu<br />
solenizar a aclamação com cavalhadas <strong>de</strong> estrondo? Vai ser festa <strong>de</strong> encher olho! A<br />
mais pomposa que já se viu no Brasil.<br />
— Tive a honra <strong>de</strong> ser convidado para ela, João Fernan<strong>de</strong>s; e Vosmecê?<br />
— Também eu. Eu, e todos os <strong>de</strong>mais que aqui estamos. O <strong>Príncipe</strong> é mui<br />
galanteador; não se esquece <strong>de</strong> pessoa alguma. No convite, que o mestre-sala nos<br />
trouxe, pe<strong>de</strong> Sua Alteza que ninguém se escuse. Para dar o exemplo irá o <strong>Príncipe</strong><br />
em pessoa — imagine! — tomar parte nos torneios.<br />
Em torno das cavalhadas, das justas, do luzimento dos trajes, da ânsia pela<br />
festa, rodou a conversa da ceia. Ao fim da noite, entre riso e folgazanices, ergueramse<br />
os copos à saú<strong>de</strong> do hóspe<strong>de</strong>:<br />
— André Vidal, à saú<strong>de</strong>!<br />
— À saú<strong>de</strong>!<br />
Foi um tinir <strong>de</strong> copos brindar alegre, tudo incendido <strong>de</strong> boa e afetuosa<br />
amiza<strong>de</strong>.<br />
Nisto, André Vidal fez um gesto significativo a João Fernan<strong>de</strong>s. O<br />
ma<strong>de</strong>irense ergue-se. Mandou fora os escravos. Trancou as portas cautelosamente.<br />
Pediu silêncio.<br />
Que era aquilo? Que eram aquelas estranhezas? João Fernan<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>baixo<br />
do pasmo <strong>de</strong> toda a gente, exclamou:<br />
— André Vidal, diga o que há!<br />
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