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André Vidal caiu em si. Olhou esbraseadamente para Gaspar Dias, os<br />
<strong>de</strong>ntes rilhando, gago <strong>de</strong> cólera:<br />
— Cão!<br />
Rodrigo, temeroso e ansiado, empurrou André Vidal com força para fora.<br />
Gaspar Dias fuzilava. Dos seus olhos pequeninos, muito piscos, saltavam agora<br />
lascas <strong>de</strong> ódio. O velho bradava com furor:<br />
— De mãos postas — ouviu? — <strong>de</strong> mãos postas, chorando, para ela cortar a<br />
cara <strong>de</strong> Vosmecê com uma chicotada...<br />
André e Rodrigo atravessaram a câmara. Iam sair. Nisto, bruscamente,<br />
retumbou pela sala estrídula gargalhada. Os dois homens, como se alguém os<br />
acutilasse pelas costas, viraram-se rápidos. Ambos, estuporados viram surgir na<br />
porta do fundo, que se escancarara, a figura revolta <strong>de</strong> uma mulher. Era D. Ana<br />
Pais! Era a odienta pernambucana que se ria com aquele riso sarcástico.<br />
A Ceia<br />
No Engenho da Várzea, célebre fazenda <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s Vieira, vai uma<br />
cena dolorosa. André Vidal <strong>de</strong> Negreiros, pálido, a voz trêmula, gesticula<br />
iradamente. A um canto, mãos fincadas no cabelo, sombrio e calado, Rodrigo<br />
Mendanha. Sentidos, ouvindo a narrativa do guerrilheiro, com um pasmo estúpido<br />
pintado no rosto, Frei Manuel e João Fernan<strong>de</strong>s. O paraibano <strong>de</strong>sabafara toda a<br />
cólera que lhe rugia na alma. Tracejara a fogo impetuosamente o atrito com Gaspar<br />
Dias. E bradava num esbraseamento:<br />
— Hei <strong>de</strong> arrancar a menina das garras <strong>de</strong> João Blaar. Ah, isso juro eu! À fé<br />
<strong>de</strong> André Vidal, senhores que hei <strong>de</strong> arrancá-la <strong>de</strong> qualquer jeito, <strong>de</strong> qualquer forma,<br />
aconteça lá o que acontecer!<br />
— Arrancá-la como?<br />
-— Como? Já expliquei como; e repito-o agora. Vou à casa do bruto e digolhe<br />
cara a cara: "vim buscar a minha Carlota. Quero que você me entregue a moça.<br />
E que me entregue já". Se o bandido ma recusar, é como já disse — mato-o! mato-o<br />
ali sem pestanejar.<br />
João Fernan<strong>de</strong>s ouvia boquiaberto. A perfídia <strong>de</strong> Gaspar Dias assombrou-o.<br />
Ao escutar, afinal aquele projeto <strong>de</strong>satinado do amigo aconselhou-o com prudência:<br />
— Não, André. Vosmecê não po<strong>de</strong> pensar assim. O que Vosmecê quer<br />
intentar é uma temerida<strong>de</strong> vã. Um arrojo inútil. Com essas loucuras, meu amigo, não<br />
salvará a ela nem a Vosmecê. Siga antes o plano que eu tracei. É o caminho mais<br />
certo: o único que ainda po<strong>de</strong>rá salvá-la.<br />
Todos olharam angustiosamente para João Fernan<strong>de</strong>s. O po<strong>de</strong>roso senhord'engenho<br />
principiou:<br />
— O casamento <strong>de</strong> Carlota não se realiza já. Só po<strong>de</strong>rá realizar-se quando<br />
Segismundo voltar <strong>de</strong> Cabe<strong>de</strong>lo, o que não suce<strong>de</strong>rá tão cedo. Ora, nesse meio<br />
tempo, enquanto o rapaz não torna tomamos esta resolução violenta: façamos<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar a revolução! Façamos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar a revolução já!<br />
— Já?<br />
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