Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
escandalosamente, agraciava o noivo com a nomeação <strong>de</strong> Secretário do Governo e<br />
Comandante da Guarda. A boa fortuna, <strong>de</strong> fato, bafejava às escâncaras o<br />
oficialzinho Tourlon... Hoogstraten encolerizou-se. Aquilo foi um espinho na sua<br />
vaida<strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> então, muito em segredo, andou por ali a escrafunchar coisas, a<br />
arrebanhar toda a espécie <strong>de</strong> acusações contra Maurício. Documentou tudo,<br />
escreveu cartas, mandou vasta papelada para a Holanda.<br />
No engenho <strong>de</strong> D. Ana, enquanto isso, enquanto o <strong>de</strong>speitado Hoogstraten<br />
enredava, ia bonançosa a lua <strong>de</strong> mel. Carlos Tourlon embebedava-se <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>.<br />
A vida corria-lhe branda e fácil. Era o homem mais ditoso <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
Mas, essa ventura durou pouco. Um dia, errático e <strong>de</strong>spreocupado, trotava o<br />
Capitão a cavalo pelas cercanias do engenho. Eis que alguém, inopinadamente,<br />
salta na estrada diante <strong>de</strong>le. Era o Bastião.<br />
O negro <strong>de</strong>scobriu-se. E postando-se rente do cavaleiro, perguntou com<br />
humilda<strong>de</strong>:<br />
— O sinhô me conhece?<br />
Carlos Tourlon lixou-o. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> examiná-lo com atenção:<br />
— Conheço. Você é o escravo <strong>de</strong> João Blaar; é o carcereiro da Fortaleza.<br />
— Isso mesmo, sinhô. Mas primeiro, antes <strong>de</strong> sê escravo <strong>de</strong> João, Blaar, fui<br />
negro <strong>de</strong> D. Ana. Saí <strong>de</strong> lá quando Vancê casô. Saí por causa <strong>de</strong> Vancê.<br />
— Saiu <strong>de</strong> lá por minha causa? Que coisa está você a disparatar?<br />
— Eu conto tudo, sinhô. Vancê escuite! D. Ana, querendo se vê livre <strong>de</strong> mim,<br />
me ven<strong>de</strong>u p'ra João Blaar. Sabe Vancê por que D. Ana me ven<strong>de</strong>u? Só <strong>de</strong> medo<br />
que eu contasse p'ra Vancê tudo o que eu sei....<br />
— Tudo o que você sabe? Que diabo é isso?<br />
Tourlon intrigou-se. Aquilo fez-lhe cócegas na curiosida<strong>de</strong>. Começou a dar<br />
trela ao negro.<br />
— Pois conte lá o que você sabe, Bastião!<br />
Ah, não foi preciso muita insistência. O enre<strong>de</strong>iro, com perversida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>senrolou tudo. Contou com minúcias, bem maldosamente, as famosas aventuras <strong>de</strong><br />
D. Ana com o <strong>Príncipe</strong>. Contou o noivado <strong>de</strong> André Vidal. Contou a chicotada na cara.<br />
Tourlon, ouvindo o escravo, empali<strong>de</strong>cia. Aquelas torpezas, narradas por um<br />
negro, entre risinhos <strong>de</strong> mofa, arrasaram-no. Compreen<strong>de</strong>u, moído, o papel ridículo<br />
que representara. Aquilo foi dura navalhada no seu amor próprio. Contudo não<br />
<strong>de</strong>ixou escapar palavra alguma. Apenas, ao fim da narrativa, tomando um dobrão <strong>de</strong><br />
ouro, passou ao negro:<br />
— Pegue lá! Mas tome bem tento: se alguém no Arrecife souber <strong>de</strong>ssas<br />
coisas, você vai parar na forca. Veja lá!<br />
— Fique sussegado, sinhô!<br />
A felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tourlon, nesse instante, ruiu por terra. Começou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então<br />
a odiar a mulher, a odiar Gaspar Das, a odiar ferozmente o <strong>Príncipe</strong> <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>.<br />
Dentro <strong>de</strong>le, acutilando-o, rugiam bravios <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança. Como fazer para<br />
<strong>de</strong>safogar-se? Uniu-se a João Fernan<strong>de</strong>s. Fez-se íntimo do ma<strong>de</strong>irense. Por isso<br />
mesmo, nessa intimida<strong>de</strong>, revelava-lhe tudo o que se passava no Palácio <strong>de</strong><br />
45