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— Já disse, D. Ana, e repito agora: hoje Vosmecê vai ficar noiva! Empenho a<br />
minha palavra. Fique portanto sossegada! Vou, neste instante mesmo, ao Palácio <strong>de</strong><br />
Friburgo falar ao <strong>Príncipe</strong>...<br />
— Ao <strong>Príncipe</strong>?<br />
— Sim. Esta manhã, no Palácio, houve terríveis complicações. Vosmecê não<br />
sabe? Complicações políticas, muito graves. Eu penso em aproveitar-me <strong>de</strong>las para<br />
consertar o caso <strong>de</strong> Vosmecê. Há males que vêm para bem...<br />
E saiu.<br />
O Palácio <strong>de</strong> Friburgo, nesse dia, alarmara-se medonhamente. É que<br />
explodira lá um inci<strong>de</strong>nte violento entre o <strong>Príncipe</strong> <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong> e o famoso polaco<br />
Arcisiewsky 18 .<br />
Este Arcisiewsky, oficial valentíssimo, havia, anos antes, militado com<br />
gran<strong>de</strong> galhardia no Brasil. Fora ele que <strong>de</strong>rrotara e matara, num combate<br />
memorável, a Dom Luís <strong>de</strong> Rojas y Borjas, o célebre general castelhano. Fora ele<br />
que arrasara, em Porto Calvo, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bagnuolo, aquele medíocre italiano que<br />
sofria <strong>de</strong> gota e assistia aos combates esparramado numa ca<strong>de</strong>ira-d'espaldar.<br />
Tornando aos Estados, <strong>de</strong>pois dos seus triunfos, lá viera o polaco na maior<br />
intimida<strong>de</strong> com os membros do Conselho dos Dezenove. Tamanha foi a confiança<br />
angariada em Haia, que os Altos Senhores o mandaram <strong>de</strong> novo para o Brasil, ao<br />
tempo <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>, com or<strong>de</strong>ns secretas <strong>de</strong> vigiar tudo o que se passava aqui. O<br />
<strong>Príncipe</strong> sentiu logo o espião. Entre ambos, instintivamente. surgiu funda odiosida<strong>de</strong>.<br />
Não se toleraram jamais. Odiavam-se. E nessa manhã, por acaso, viera à tona o<br />
escândalo. Maurício, graças a um criado <strong>de</strong> Arcisiewsky, tivera entre suas mãos, vira<br />
com os seus próprios olhos, certa carta do polaco, carta tremendíssima, em que o<br />
venenoso oficial <strong>de</strong>nunciava aos Estados caluniosamente, coisas pavorosas sobre a<br />
administração do <strong>Príncipe</strong>. <strong>Nassau</strong> não pô<strong>de</strong> reprimir-se. Mandou reunir às pressas<br />
o Supremo Conselho. E, numa sessão espaventosa, presentes todos os membros,<br />
exigiu violentamente a <strong>de</strong>missão do espia e a sua <strong>de</strong>portação imediata para a<br />
Europa. O Conselho, nessa sessão, <strong>de</strong>mitiu e <strong>de</strong>portou Arcisiewsky 19 .<br />
Não podia haver, na pacateza da Cida<strong>de</strong> Maurícia, inci<strong>de</strong>nte mais reboante.<br />
E eis por que, naquela manhã, os corredores <strong>de</strong> Friburgo borborinhavam <strong>de</strong> gente.<br />
Gaspar Dias, íntimo no Palácio, varou familiarmente por eles. Fez-se anunciar ao<br />
<strong>Príncipe</strong>. Não se esqueceu <strong>de</strong> frisar ao camareiro:<br />
— Diga que é negócio urgente.<br />
Maurício mandou logo que o amigo entrasse. No salão, mal o avistou, a sós<br />
os dois:<br />
— Que há?<br />
Gaspar Dias abriu os braços espetaculosamente:<br />
— D. Ana Pais foi espancada!<br />
— Quê?<br />
18 Arcisiewsky é aquele que os cronistas portugueses da época chamavam <strong>de</strong> Artichoffc e outros Artichofsky.<br />
19 Netseher, Les Hollen<strong>de</strong>is au Brésil: "O Conselho or<strong>de</strong>nou que Arcisiewsky partisse para Holanda...".<br />
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