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<strong>Nassau</strong> atravessou por entre aquele bando fremente. Ao entrar na ponte,<br />
virou-se para o Capitão da Guarda:<br />
— Não parece que estão borrachos, Carlos Tourlon?<br />
— Tontos <strong>de</strong> vinho <strong>de</strong>vem andar eles, <strong>Príncipe</strong>! Hoje, foi dia <strong>de</strong> festa na<br />
taberna <strong>de</strong> Sni<strong>de</strong>r...<br />
— Festa? Redargüiu Maurício admirado; festa? E por qual razão, Carlos <strong>de</strong><br />
Tourlon?<br />
— Vossa Alteza não sabe? Por um motivo grave, tornou o capitão: é que os<br />
escabinos <strong>de</strong>cidiram a <strong>de</strong>manda que Sni<strong>de</strong>r pôs contra Manuel Felipe, aquele<br />
lavrador <strong>de</strong> canas. Vossa Alteza não se lembra? Aquela <strong>de</strong>manda por causa do<br />
macho gateado que esteve na pastaria <strong>de</strong> João Fernan<strong>de</strong>s Vieira.<br />
— Ah! Lembro-me muito bem. E então?<br />
— Sni<strong>de</strong>r ganhou a querela. Foi Manuel Filipe con<strong>de</strong>nado a pagar o preço<br />
do macho e as custas: setecentos e muitos florins!<br />
— Feia coisa, exclamou Maurício, franzindo o sobrolho. Pesada injustiça! Foi<br />
uma <strong>de</strong>cisão má dos escabinos...<br />
A comentarem o caso, num trote manso, os cavaleiros atravessaram a<br />
ponte. Entraram em Recife, a cida<strong>de</strong> velha. Tudo aí eram portugueses e mamelucos.<br />
A essa hora, nesse afogueado cair da tar<strong>de</strong>, os escravos do senhorio rico, uns<br />
chatos negrões <strong>de</strong> Angola, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas pantalonas <strong>de</strong> tela <strong>de</strong> Flandres,<br />
passavam aos bandos, carregando água doce, gotejantes, com enormes cacimbas à<br />
cabeça. Índios mansos, tapuias e potíguaras, voltavam dos engenhos e das<br />
lavouras, as foices roça<strong>de</strong>iras ao ombro, o ar suarento <strong>de</strong> cansaço.<br />
O <strong>Príncipe</strong> tocou pela cida<strong>de</strong>zinha. Cortou-a <strong>de</strong> ponta a ponta. Depois, sem<br />
dizer palavra, enveredou rumo da praia. Pôs-se a trotar vagarosamente pela areia<br />
branca. Todos seguiam-no, calados. De repente, num cômoro Maurício <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong><br />
estacou o ginete. Aí, diante dos seus olhos, estendia-se, largo e belo, um panorama<br />
surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Que maravilha! Ao longe, muito ao longe, no fundo do horizonte, um gran<strong>de</strong><br />
sol, fulvo e sangrento, atufava-se em chamas como um incêndio. E grossas<br />
brochadas <strong>de</strong> luz, brochadas quentes e uivantes, zebravam <strong>de</strong> listrões assanhados<br />
aquele céu can<strong>de</strong>nte dos trópicos.<br />
Maurício <strong>de</strong> <strong>Nassau</strong>, embevecido, virou-se para a banda do mar. E soltou<br />
pela vastidão das águas um olhar feliz e vitorioso.<br />
Ali estava a seus pés, corcovado <strong>de</strong> vagas, o férvido oceano espumarento,<br />
que os Estados a custo subjugaram. Ali estava, arrepiada em morros, a imensa terra<br />
brasileira, seis ásperas capitanias, inçadas <strong>de</strong> muito gentio emplumado, que ele,<br />
Maurício, com a sua espada, acabava <strong>de</strong> conquistar galhardamente, <strong>de</strong>baixo da<br />
saraivada das flechas e do estrondo dos pelouros.<br />
Fora lá, nessas águas e nessas terras, que se <strong>de</strong>rramara tanta vez, aos<br />
gorgolões, o sangue batavo! Fora lá pelas angras do sul, na Bahia <strong>de</strong> Todos os<br />
Santos, que um dia, pela primeira vez, arribaram por estas bandas, com as flâmulas<br />
vermelhas panejando nos mastaréus, as gran<strong>de</strong>s naus côncavas <strong>de</strong> Jacob<br />
Willekens. Fora lá, naquelas mesmas abras, que também fun<strong>de</strong>ara um dia, calada e<br />
inútil, a frota assustadiça <strong>de</strong> Hendrickzoon.<br />
E fora aqui, diante dos seus olhos, nas águas crespas do Arrecife, que<br />
aportara enfim, garbosamente, por entre os roncos do canhoneio, a armada<br />
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