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www.nead.unama.br<br />
por ver no que dava aquilo. E o tempo corria. E nada <strong>de</strong> ruído. Havia em tudo um<br />
silêncio pesado. Aquela espera começou então a me enfarar. Fiquei arrependido <strong>de</strong><br />
ter seguido o escravo. Quis ir-me embora. Mas o Bastião, sempre firme, cochichou<br />
da pitombeira:<br />
— Mais um tico, sinhô! Não se afoite. Mais um tiquinho só...<br />
Tinha razão e bandido do negro! De repente, na quieteza da estrada,<br />
estron<strong>de</strong>ou um pateado <strong>de</strong> cavalo. O sangue ferveu-me nas veias. Quem será? E<br />
logo, a galope, passou no caminho um cavaleiro. Ia como o vento. Como a lua era<br />
cheia, eu pu<strong>de</strong> distinguir claramente um cavalo tordilho, chato; o vulto, esse trazia<br />
um sombrero largo, vinha muito embuçado numa capa negra. Eu vi aquilo. Virei-me<br />
aflito para o Bastião:<br />
— Vancê atore aqui pelo mate, <strong>de</strong>semboque no carreadôzinho, fique <strong>de</strong><br />
tocaia na ponte. Eu puxo e cavalo pela estrada. Assussegue que o Bastião vai batê<br />
lá.<br />
Sempre tive fama <strong>de</strong> bom mateiro. Aquela mataria então, ali pela redon<strong>de</strong>za,<br />
conhecia eu a palmo. Saí como um louco, enre<strong>de</strong>i pelo maranhado das árvores, corri<br />
<strong>de</strong>sabalado. Alcancei a ponte. Quando me agachei <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>la, atrás do pilar<br />
gran<strong>de</strong> o tordilho varou a ponte num trote largado. Espiei. Do meu escon<strong>de</strong>rijo<br />
avistava-se muito bem a Cida<strong>de</strong> Maurícia. O cavaleiro passou como uma flecha,<br />
meteu-se pelos coqueiros <strong>de</strong> Friburgo, chegou rente à porta do palácio. Brilhou luz lá<br />
<strong>de</strong>ntro. A porta abriu-se. O vulto sumiu...<br />
Eu fiquei aturdido. Diabo! Quem será? Não podia enten<strong>de</strong>r aquela<br />
trapalhada. Esperei. Não tardou muito o Bastião surgiu, trazendo o animal:<br />
— Viu, sinhô?<br />
— Vi. O vulto entrou no Palácio...<br />
O negro arreganhando a <strong>de</strong>ntuça branca, riu:<br />
— Agora amunte outra veiz no cavalo e fique <strong>de</strong> tocaia na estrada. Na hora<br />
que o bicho vortá, trate <strong>de</strong> conhecê...<br />
Disse aquilo, tornou a rir, abalou para o engenho. Eu montei, ralado.<br />
Atravessei a ponte, <strong>de</strong>i na estrada, entrei num capão <strong>de</strong> mato que sombreava o<br />
caminho. Parei aí moído, azedando mil coisas. Esperei um tempão. Quase <strong>de</strong><br />
manhã escutei <strong>de</strong> novo um trote. Olhei: era o tordilho; era o vulto embuçado na<br />
capa. Estremeci! O meu coração pulava. Forte zoeira esfumaçou minha cabeça. Mas<br />
fiz um esforço <strong>de</strong>sesperado, juntei todo o meu ânimo. E não houve mais história:<br />
quando o vulto entrou no capão — zum! Finquei o meu cavalo no cavalo <strong>de</strong>le. Foi<br />
um choque bruto! O cavaleiro berrou, espavorido. E eu, com o cabo do chicote, fiz<br />
voar longe o sombrero do tal. Quando o sombrero tombou, eu, com um uivo <strong>de</strong><br />
cólera, reconheci o cavaleiro...<br />
— D. Ana Pais!<br />
Ela na mesma hora, estuporada:<br />
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