You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
— Margarida Soler! Você não conhece? É a filha <strong>de</strong> Vicente Soler, aquele<br />
francês, predicante calvinista, que já foi fra<strong>de</strong> agostinho. E calcule você quem é<br />
agora a felizarda! Uma coruja! É a filha do Sargento-Mor; a filha do Baía... 17 .<br />
Eu <strong>de</strong>testava esse mexe-mexe. Que me importavam a mim os amores do<br />
<strong>Príncipe</strong>? Mas, D. Ana — que é que podia eu lá fazer? — dava a vida por essa<br />
intrigalhada. Tudo quanto cheirava a <strong>Nassau</strong>, tudo quanto vinha <strong>de</strong> Friburgo, bulia<br />
com ela.<br />
Um dia, enfim, eu estava no sertão e resolvi <strong>de</strong>scer para liquidar o meu<br />
casório. Vinha disposto a levar a mulher na garupa. Não queria mais saber <strong>de</strong><br />
Pernambuco. Larguei o inato, toquei pelo estradão da Várzea, enfiei-me nas terras<br />
<strong>de</strong> D. Ana. Já tinha escurecido. A lua estava branqueando no céu, que era tempo <strong>de</strong><br />
cheia. Na restinga, quando ia va<strong>de</strong>ar o córrego, sem que menos esperasse, o<br />
Bastião pulou no meu caminho. Mal avistei o negro, fui eu gritando logo:<br />
— Olá, Bastião!<br />
O escravo pôs o <strong>de</strong>do na boca:<br />
— Quieto, sinhô! Quieto! Venha comigo aqui no mato.<br />
Era esquisito. Mas eu fui. Segui o negro até o mato. Entramos por ele<br />
a<strong>de</strong>ntro. Ali, sem que ninguém nos avistasse, o Bastião revelou-me coisas<br />
espantosas. Começou assim:<br />
— Eu sou mina agra<strong>de</strong>cido, sinhô. Não esqueço nunca da ourada que<br />
Vancê já me botô na mão. É por isso que eu quero sarvá vancê!<br />
— Salvar? Hom'essa! Que há, Bastião?<br />
— Vai escuitando... Hoje esteve no engenho a disca do Gaspar Dias. Eta,<br />
homem ruim! Aquilo é ruim como a cobra. No dia que o peste vem aí, eu sei muito<br />
bem que há coisa grossa. É perciso que Vancê também saiba. Por via disso —<br />
escuite o meu aviso — Vancê não chegue hoje no engenho. Se esconda aqui no<br />
mato. Espere a noite crescê bem. Mais tar<strong>de</strong>, na hora que a lua subi p'ra riba daquela<br />
masaranduva, Vancê tem <strong>de</strong> avistá um cavalero galopeando pela estrada. Siga o tar...<br />
— Um cavaleiro, Bastião? Mas quem é? Que história é essa?<br />
— Siga o tar, sinhô... Depois nóis cunversa. Eu fico aqui no mato, com<br />
Vancê, até a hora do cavalero chegá.<br />
O jeito com que o Bastião dizia as coisas, o olhar <strong>de</strong>le, a voz que falava<br />
firme, e, além do mais, aquele mistério, aquele romance, atiçou em mim um não sei<br />
quê, uma cócega <strong>de</strong> <strong>de</strong>slindar essa coisa escura.<br />
— Está bem, Bastião; eu fico.<br />
E fiquei. O negro acocorou-se numa raiz <strong>de</strong> pitombeira; eu não apeei do<br />
cavalo. Principiamos a esperar. Nenhum tugia, o ouvido à escuta. Dentro <strong>de</strong> mim<br />
andava um formigueiro. Eu sentia, cada vez mais, um comichão, uma ânsia esquisita<br />
17 Frei Calado: "O Cô<strong>de</strong> <strong>de</strong>spresou o amor <strong>de</strong> Margarida Soler, filha <strong>de</strong> Vicente Soler, o qual avendo sido fra<strong>de</strong><br />
Augustinho, tinha fugido da religião; e dito Cõ<strong>de</strong> acomondou-se com uma filha do Sargento-Mór Baia.. etc ".<br />
38