O Príncipe de Nassau - Unama

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19.04.2013 Views

www.nead.unama.br — Eu mesmo, dona. Não se atarante que eu não venho por mal; eu venho aqui só para conhecer a mulher de mais fama de Pernambuco! Ela soltou uma risada gostosa. Achou graça no meu atrevimento. Principiou, então, a me agradar como louca. Fui tratado a vela de libra. Aquela mulher era mesmo uma tentação! Eu fiquei pelos beiços. Mas não disse palavra, despedi-me, toquei pelo mundo. Ah, meu filho, há muita mandinga por essa terra de Deus! D. Ana para mim, deu-me de beber algum feitiço. Nunca mais pude me esquecer dela! Nunca! Cada vez que entrava em Pernambuco, ao frontear a restinga, era sempre um cochicho aqui dentro: -— Vá ver D. Ana! Vá ver D. Ana! Eu ia. E cada vez, por meus pecados, o mesmo enfeitiçamento. D. Ana percebeu aquilo. Era eu surgir no engenho, logo aparecia ela muito enfeitada, vestido novo, flor no cabelo, um mundo de galantezas. Ah, Rodrigo, Você não sabe como tinha quebrantos aquela morena! E depois aqueles olhos... Dois olhos tão pretos, tão pretos, como ainda não vi outros de tanta pretura em Pernambuco. Era linda. Era mesmo linda, a bruxa! Eu fiquei perdido. Só pensava nela. D. Ana tornouse a minha idéia de toda a hora. E ela... (veja um pouco), quando eu andava muito afundado pelo mato, sem aparecer, soltava o Bastião à minha procura... Você conhece o Bastião, não conhece? — Conheço muito. É aquele preto mina, hoje escravo de João Blaar e carcereiro de Maurícia. — Isso, exatamente. Pois o Bastião varava por esse mundo atrás de mim. Ao topar comigo (o negro sabia me farejar) levava sempre um recado de enlouquecer: — D. Ana tá morrendo de sodade. É prá vancê i vê ela no engenho. Eu recebia aquilo, o coração pulava, quase morria de gosto. Enchia a mão do negro com muito dobrão de ouro. E lá vinha a todo galope, feliz, estropiando cavalos pelo caminho. Um dia, depois de muita ida e vinda, estávamos os dois sozinhos na sala grande do engenho. Começava a anoitecer. A conversa parou. E nós, ouvindo um pio de jaó num pau da mangueira, olhávamos aquele lusco-fusco meio triste, que amolecia. De repente, eu nem sei como, D. Ana virou-se para mim, muito simplória: — Então, André Vidal, quando é o nosso casamento? Eu escutei aquilo, bambeei, senti que o sangue fugia veias. Levantei-me tremendo: — Que é que Vosmecê está dizendo, Dona Ana?! Ela repetiu, muito dona de si, como se fosse coisa já falada e assente: — Quando é que há de ser o nosso casamento, André Vidal? 36

www.nead.unama.br Não pude mais, Rodrigo! Atirei-me a ela, agarrei D. Ana pela cintura, pus-me a beijar a diaba como um louco: — É quando quiser, D. Ana! É quando quiser! Ficamos justos de casar. Mas, combinou-se, também, que aquele ajuste ficava só entre nós, em segredo. Para que bulha? Eu não gostava dos flamengos; os flamengos não gostavam de mim. Melhor que ninguém soubesse do nosso apalavrado até que a coisa acabasse na igreja. Mas D. Ana, daí em diante, principiou a me contar as suas amizades com os belgas. É que ela, desde esse tempo, já era pessoa lá de dentro. Não havia comida de gala no Palácio que Gaspar Dias não aparecesse: — O Príncipe manda dizer que espera Vosmecê para cear em Friburgo. D. Ana enfaceirava-se, vestia a seda mais vistosa, botava muito berloque, lá ia à festa, divertia-se a noite inteira. Quando eu aparecia, depois de muita canseira pelo sertão, era ela mesma que me contava o caso. Eu enfarruscava; aquilo me doía no coração. Mas era só noivo, não tinha poder, calava. D. Ana, porém, era fina; entendia bem o meu azedume: — Olhe o ciumento! Não quer agora destripar algum flamengo por isso? Não quer, tapuia? Não quer, meu comedor de gente? E vinha logo com tanta macieza, com tanto agrado, que a minha raiva inteira se apagava num momento. Eu nunca pude embravecer. Nunca! Ela arrumava tudo com tanto jeito... Era sempre assim: — O Príncipe Maurício mandou-me de presente esta cadeia de ouro. — De presente? Esta cadeia de ouro? — Sim, senhor! No dia dos meus anos. Foi Gaspar Dias quem trouxe. Aposto que você, entocado lá pelo mato nem se lembrou do meu aniversario. Lembrou-se Vamos! Diga... E ria, e passava a mão pelo meu cabelo, e me entontecia. Aquilo, aquela história de mimos, era ferrão de vespa para mim. Mas eu, vencido pelos agrados dela, comentava apenas: — Este Gaspar Dias é um leva-e-traz... Ela franzia a testa. Pulava a favor de Gaspar Dias. Gaspar Dias! Ah, era o ai-Jesus, o homem mais precioso da terra. E como esse tal sujeito sabia coisas! Nossa! Era por ele que D. Ana se enchia de todos os mexericos do Palácio de Friburgo. E a diaba, para me ferrotoar os ouvidos, tinha sempre um desses mexericos debaixo da língua: — Sabe. O Príncipe largou a Margarida Soler... — Quem? 37

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Não pu<strong>de</strong> mais, Rodrigo! Atirei-me a ela, agarrei D. Ana pela cintura, pus-me<br />

a beijar a diaba como um louco:<br />

— É quando quiser, D. Ana! É quando quiser!<br />

Ficamos justos <strong>de</strong> casar. Mas, combinou-se, também, que aquele ajuste<br />

ficava só entre nós, em segredo. Para que bulha? Eu não gostava dos flamengos; os<br />

flamengos não gostavam <strong>de</strong> mim. Melhor que ninguém soubesse do nosso<br />

apalavrado até que a coisa acabasse na igreja.<br />

Mas D. Ana, daí em diante, principiou a me contar as suas amiza<strong>de</strong>s com os<br />

belgas. É que ela, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse tempo, já era pessoa lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. Não havia comida<br />

<strong>de</strong> gala no Palácio que Gaspar Dias não aparecesse:<br />

— O <strong>Príncipe</strong> manda dizer que espera Vosmecê para cear em Friburgo.<br />

D. Ana enfaceirava-se, vestia a seda mais vistosa, botava muito berloque, lá<br />

ia à festa, divertia-se a noite inteira. Quando eu aparecia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita canseira<br />

pelo sertão, era ela mesma que me contava o caso. Eu enfarruscava; aquilo me doía<br />

no coração. Mas era só noivo, não tinha po<strong>de</strong>r, calava. D. Ana, porém, era fina;<br />

entendia bem o meu azedume:<br />

— Olhe o ciumento! Não quer agora <strong>de</strong>stripar algum flamengo por isso? Não<br />

quer, tapuia? Não quer, meu comedor <strong>de</strong> gente?<br />

E vinha logo com tanta macieza, com tanto agrado, que a minha raiva inteira<br />

se apagava num momento. Eu nunca pu<strong>de</strong> embravecer. Nunca! Ela arrumava tudo<br />

com tanto jeito... Era sempre assim:<br />

— O <strong>Príncipe</strong> Maurício mandou-me <strong>de</strong> presente esta ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ouro.<br />

— De presente? Esta ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ouro?<br />

— Sim, senhor! No dia dos meus anos. Foi Gaspar Dias quem trouxe.<br />

Aposto que você, entocado lá pelo mato nem se lembrou do meu aniversario.<br />

Lembrou-se Vamos! Diga...<br />

E ria, e passava a mão pelo meu cabelo, e me entontecia. Aquilo, aquela<br />

história <strong>de</strong> mimos, era ferrão <strong>de</strong> vespa para mim. Mas eu, vencido pelos agrados<br />

<strong>de</strong>la, comentava apenas:<br />

— Este Gaspar Dias é um leva-e-traz...<br />

Ela franzia a testa. Pulava a favor <strong>de</strong> Gaspar Dias. Gaspar Dias! Ah, era o<br />

ai-Jesus, o homem mais precioso da terra. E como esse tal sujeito sabia coisas!<br />

Nossa! Era por ele que D. Ana se enchia <strong>de</strong> todos os mexericos do Palácio <strong>de</strong><br />

Friburgo. E a diaba, para me ferrotoar os ouvidos, tinha sempre um <strong>de</strong>sses<br />

mexericos <strong>de</strong>baixo da língua:<br />

— Sabe. O <strong>Príncipe</strong> largou a Margarida Soler...<br />

— Quem?<br />

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