You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
da enxárcia, retesa bojudamente o côncavo das velas. Tudo recolhido a bordo. Só o<br />
mestre <strong>de</strong> serviço faz o quarto...<br />
Na popa, sob o pano breado que lhes serve <strong>de</strong> camarim, André Vidal e<br />
Rodrigo Mendanha são os únicos que ainda não dormiram. Conversavam. O moço,<br />
naquela inquietu<strong>de</strong> que o esbraseia, assedia o guerrilheiro com um dar<strong>de</strong>jar <strong>de</strong><br />
perguntas ansiadas:<br />
— D. Ana Pais? Mas como, padrinho? Como? Qual a razão para que essa<br />
dona se intrometesse na nossa vida?<br />
O paraibano compreendia bem aquele <strong>de</strong>snorteio. Era natural. Como<br />
po<strong>de</strong>ria Rodrigo jamais supor os liames que o acorrentavam à vida daquela estranha<br />
mulher? Impossível!<br />
No silêncio do barco ao escachôo balouçado das ondas, André Vidal<br />
começou a clarear aquele caso escuro.<br />
— Não foi na nossa vida que ela se intrometeu, Rodrigo. Não! Foi na minha<br />
vida. Isso sim! Aquilo tudo, aquela bruteza contra Carlota, não foi para fazer mal a<br />
você. Aquilo foi para mim. Foi só para me machucar; foi só para amargar os meus<br />
dias. Quer você penetrar na razão disso? Pois ouça. É uma história comprida...<br />
Rodrigo Mendanha, curioso, botou olhos ansiosos no guerrilheiro. André<br />
Vidal, com o seu falar pitorescamente brasileiro, principiou:<br />
— Eu tinha nesse tempo vinte e cinco anos. Era um rapagão fogoso, muito<br />
estouvado, que andava pela campanha a fazer tropelias, preando holandês como<br />
quem prea bugre. Â5 vezes, no meio <strong>de</strong>ssas correrias, vinha eu, às escondidas, até o<br />
engenho <strong>de</strong> D. Joana ver a minha boneca. Carlota era pequenita, muito reina<strong>de</strong>ira,<br />
falante como uma haitaca. E você, por esse tempo ainda não era gente; andava lá<br />
pela sua terra, pererecando, trepando pelos coqueiros, como um sagui. Eu vinha.<br />
Desembocava na estrada velha, tocava rumo <strong>de</strong> Dona Joana. Mas, cada vez que<br />
chegava na restinga, ali na curva do ribeirão, olhava comprido para aquele colosso<br />
<strong>de</strong> engenho que fica na lomba do morro, com roçaria <strong>de</strong> cana <strong>de</strong> todo o lado,<br />
ranchada <strong>de</strong> escravatura, a casa gran<strong>de</strong> do açúcar, corre-corre <strong>de</strong> moagem. Uma<br />
boniteza... Era a "Casa Forte", como dizia o povo; era o engenho <strong>de</strong> D. Ana Pais.<br />
Vendo aquilo tudo, aquela gran<strong>de</strong> soberba, logo me formigava na cabeça o disquedisque<br />
da terra. Por toda a parte ia uma fala só:<br />
— D. Ana Pais? Credo! Eta, viúvinha dos diabos! Mulher levada é aquela. É<br />
do apá virado; credo!<br />
Todo o mundo contava histórias. Bandão <strong>de</strong> coisas! Um dia, caminhando na<br />
estrada, ferrotoou-me aqui <strong>de</strong>ntro um comichão esquisito: tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer<br />
D. Ana. Não custei muito a resolver. Virei a ré<strong>de</strong>a, enfiei-me pela mangueira do<br />
engenho, apeei, subi a escada da varanda. A diaba apareceu... Nossa-Senhora! Era<br />
moça, beirava pelos vinte, morena, cinturinha fina, pisava leviano como um<br />
passarinho. Aquela mulher buliu comigo. Senti uma esporada aqui <strong>de</strong>ntro. Mas, não<br />
<strong>de</strong>i mostras do que senti. Tirei o chapéu, cumprimentei. Logo, sem mais palavra, fui<br />
dizendo quem eu era. A moça abriu os olhos:<br />
— André Vidal <strong>de</strong> Negreiros?<br />
35