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Caiu súbito silêncio. Os circunstantes cravaram olhos sôfregos em Frei<br />
Manuel. O religioso principiou:<br />
— De nada valem esses bufos e arreganhos <strong>de</strong> Vosmecês. Matar, <strong>de</strong>stripar,<br />
varar <strong>de</strong> lado a lado, tudo são bravatas que não resolvem coisa alguma. Bravatas,<br />
nada mais. Que é que Vosmecês <strong>de</strong>sejam? Salvar Carlota. Qual o meio mais seguro<br />
<strong>de</strong> salvá-la? Uma or<strong>de</strong>m dos escabinos. Como obter essa or<strong>de</strong>m? Eis a questão.<br />
Matando? Destripando? Nada disso. Bem ao contrário: adoçando. Adoçando a mão<br />
dos escabinos, meus senhores! Adoçando com punhados <strong>de</strong> dobrões <strong>de</strong> ouro,<br />
ouviram? Com ouro, meus filhos! Só com ouro!<br />
João Fernan<strong>de</strong>s concordou sem hesitar. Era aquilo tal e qual! O fra<strong>de</strong> continuou:<br />
— Vosmecês sabem muito bem que a gente compra tudo na Cida<strong>de</strong><br />
Maurícia: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> arenque <strong>de</strong> Holanda até consciência <strong>de</strong> escabino. Estes flamengos,<br />
meus amigos, são raça <strong>de</strong> marinheiros e piratas. Mais cruzado, menos cruzado, e<br />
tudo se arranja com eles. É ter faro e jeito. Ora, para o nosso caso, para comprar o<br />
livramento <strong>de</strong> Carlota, há um homem a calhar...<br />
— Gaspar Dias Ferreira, atalhou João Fernan<strong>de</strong>s.<br />
— Gaspar Dias Ferreira! Ele mesmo... Confirmou Frei Manuel. Não há outro<br />
que se lhe compare. Vosmecês, que vivem longe <strong>de</strong> Maurícia, não po<strong>de</strong>m imaginar<br />
as astúcias <strong>de</strong>sse sujeito! Que raposão! Ora, escutem.<br />
E Frei Manuel, diante daqueles homens, <strong>de</strong>senrolou coisas espantosas:<br />
— Ninguém calcula o po<strong>de</strong>rio <strong>de</strong> tal homem. É incrível! Em casa <strong>de</strong>le, todos<br />
os dias, há grossa chusma <strong>de</strong> gente do povo. Tudo a <strong>de</strong>slindar negócios<br />
emaranhados. E o certo é que o homenzinho <strong>de</strong>slinda todas as atrapalhadas. O tipo<br />
conseguiu, muito finoriamente, as boas graças dos holan<strong>de</strong>ses. Foi ele o primeiro<br />
português que se meteu <strong>de</strong>ntro dos muros dos belgas. Carregou para lá mulher e os<br />
filhos, apren<strong>de</strong>u a língua flamenga, batizou-se na seita <strong>de</strong>les, virou huguenote e<br />
herege. Depois disso, como era patoteiro e ladino, <strong>de</strong>sandou a atiçar os <strong>de</strong> Holanda<br />
a praticarem toda a casta <strong>de</strong> trampolinagens. Não houve ladroíce que o sabujo não<br />
soprasse ás orelhas dos flamengos; não houve rapina que não engendrasse para<br />
surrupiar a fazenda dos naturais. Aquilo era só abrir o bico, zás, lá se punha o<br />
holandês a executar a patota! Depois, portas a <strong>de</strong>ntro, toca os ladrões a repartirem o<br />
bolo. Vosmecês bem conhecem a traça que ele maquinou, <strong>de</strong> parceria com o próprio<br />
<strong>Nassau</strong>, para abocanharem juntos, no ano passado, seiscentas caixas <strong>de</strong> açúcar<br />
alvo, do melhor; não é verda<strong>de</strong>?<br />
— É verda<strong>de</strong>, confirmou João Fernan<strong>de</strong>s aquilo foi gran<strong>de</strong> fraqueza do <strong>Príncipe</strong>!<br />
— Mas isso não é nada, prosseguiu Frei Manuel. A maquina <strong>de</strong> fazer<br />
dinheiro, e dinheirão grosso, não é essa. E outra. Imaginem que o biltre se<br />
mancomunou com os escabinos para que não <strong>de</strong>spachassem petição, nem coisa<br />
que o valha, sem primeiro mandar os pleiteantes enten<strong>de</strong>rem-se com ele, Gaspar<br />
Dias. E isso porque, conhecendo bem as posses da gente da terra, arrancaria <strong>de</strong><br />
cada um, em dinheirinho contado, o quanto cada um pu<strong>de</strong>sse pagar para ter o seu<br />
<strong>de</strong>spacho favorável. Assim, com essa ronha, dizia ele, todos se abarrotariam <strong>de</strong><br />
ouro... Dito e feito! A ratoeira pôs-se logo a funcionar.<br />
— Que tratante! Exclamou Vidal.<br />
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