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www.nead.unama.br<br />
Rodrigo ouviu aquilo. O sangue latejou-lhe esbraseado nas veias. Rajadas<br />
<strong>de</strong> ira encresparam-lhe a alma. Bradou com fúria:<br />
— Juro a Vosmecê, João Fernan<strong>de</strong>s, juro pelo sangue <strong>de</strong> Cristo que Carlota<br />
nunca será mulher <strong>de</strong> Segismundo Starke! Mato-o, João Fernan<strong>de</strong>s! Mato-o como<br />
um cão...<br />
André Vidal, um nó na garganta, andava dum lado para outro, num<br />
esbraseamento. E dizia só:<br />
— É preciso salvá-la! É preciso salvá-la!<br />
— É preciso salvá-la, concordava João Fernan<strong>de</strong>s; salvá-la <strong>de</strong> qualquer jeito!<br />
E cruzando os braços, num tom <strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo:<br />
— Mas como? Salvá-la como?<br />
— André Vidal estacou, os nervos em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Cólera surda rugia <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>le. Fitou João Fernan<strong>de</strong>s bem nos olhos; e rugiu:<br />
— Quer saber como, João Fernan<strong>de</strong>s? Amanhã, ao <strong>de</strong>sembarcar em<br />
Maurícia, corro a casa <strong>de</strong> João Blaar. Entro, chamo o flamengo, digo-lhe cara a cara:<br />
"Vim aqui para buscar Carlota. Quero que me entreguem a moça. E que ma<br />
entreguem já". Ai, João Fernan<strong>de</strong>s, ai do bruto se ma recusar... Transpasso-o com<br />
uma cutilada! Varo-o <strong>de</strong> lado a lado!<br />
João Fernan<strong>de</strong>s abanou a cabeça:<br />
— Vosmecê per<strong>de</strong>is o juízo, André? Que loucura é essa?<br />
— Não é loucura, João Fernan<strong>de</strong>s. É o que é. Varo-o <strong>de</strong> lado a lado!<br />
— Vosmecê está a <strong>de</strong>lirar, continuou João Fernan<strong>de</strong>s, sisudo. Está a lançar<br />
palavras tontas. Pois não vê, meu amigo, que isso é a mais rematada estultícia que<br />
Vosmecê po<strong>de</strong> fazer? Que adianta essa proeza? Nada. Isso, André Vidal, isso é<br />
per<strong>de</strong>r a ela e per<strong>de</strong>r a Vosmecê. Nada mais. São duas <strong>de</strong>sgraças em vez <strong>de</strong> uma.<br />
André sentia a cabeça oca. Não podia refletir. Então, num arrebatamento,<br />
dirigiu-se agoniado para o fra<strong>de</strong>:<br />
— Oh, Frei Manuel, aju<strong>de</strong>-nos! Vosmecê, que é tão letrado, que é tão<br />
pru<strong>de</strong>nte, acuda-nos nesta <strong>de</strong>sgraça! Que é que po<strong>de</strong>mos fazer para salvá-la? Que<br />
é, Frei Manuel?<br />
Frei Manuel, sem dizer palavra, escutara aquelas iras, aqueles<br />
<strong>de</strong>sbragamentos, sorrindo <strong>de</strong> tanta irreflexão. Solicitado a dar o seu conselho,<br />
homem <strong>de</strong> manhas, o religioso foi como um raio <strong>de</strong> sol naquela angústia:<br />
— Acalme-se um pouco, meu filho. Sossegue. Tudo se há <strong>de</strong> arrumar. É<br />
uma questão <strong>de</strong> jeito. Assente-se aí, André; ouça. E você também, Rodrigo,<br />
assente-se. Mas primeiro limpe os olhos. Basta <strong>de</strong> lágrimas. Vamos tratar <strong>de</strong> salvála.<br />
Isso sim! Tudo o mais é <strong>de</strong>sespero inútil.<br />
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