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temerida<strong>de</strong>s inúteis! Esta conjuração é empresa em que vamos arriscar a vida. Ora,<br />
diante dos fatos que revelei a Vosmecê, quem terá a coragem <strong>de</strong> arriscar a sua?<br />
Quem cometerá a doidice <strong>de</strong> se levantar contra o belga? Eu, por mim, repito a<br />
Vosmecê, <strong>de</strong>cididamente: não conte comigo!<br />
Frei Manuel ouviu a <strong>de</strong>claração ríspida. E num tom dolorido:<br />
— Que se há <strong>de</strong> fazer? Que se há <strong>de</strong> fazer? Vejo que não há jeito <strong>de</strong><br />
convencer o amigo em que eu mais confiava...<br />
— Sim meu fra<strong>de</strong>; as coisas estão muito turvas E eu já vivi muito; eu sei bem<br />
o que é o mundo. Por isso, Frei Manuel, só haveria um meio, um único, para me<br />
<strong>de</strong>mover: é ter a certeza a mais absoluta <strong>de</strong> que o Rei <strong>de</strong> Portugal protegeria a<br />
nossa rebelião. Só assim, só com essa certeza, é que me abalançaria a empreitada<br />
tão crua. Fora disso, como já <strong>de</strong>clarei, não conte Vosmecê comigo!<br />
— Mas, Vosmecê, atalhou o religioso, não consi<strong>de</strong>ra como certo o ajutório<br />
do Viso-Rei do Brasil? Não está seguro <strong>de</strong> que ele nos socorrerá com toda a casta<br />
<strong>de</strong> auxílios?<br />
— Não é o bastante, tornou João Fernan<strong>de</strong>s, meneando a cabeça, com<br />
aquele ar <strong>de</strong> quem conhece os homens. Isso é pouco. Para eu jogar a minha vida a<br />
tanto risco, já disse, só há um caminho. Um só: a palavra <strong>de</strong> El-Rei! A palavra <strong>de</strong> El-<br />
Rei em pessoa! Tudo o mais é baldado.<br />
Frei Manuel <strong>de</strong>salentou-se. Olhou para Fernan<strong>de</strong>s Vieira com um olhar<br />
murcho. Ah, como aquelas precauções esfriavam! Como aquilo sobretudo<br />
contrastava com os arrojos <strong>de</strong> André Vidal! Como eram diferentes os dois homens! E<br />
suspirando fundo, Frei Manuel <strong>de</strong>sconsolado:<br />
— Impossível o que Vosmecê <strong>de</strong>seja. Como havemos <strong>de</strong> obter aqui, no<br />
Brasil, a palavra <strong>de</strong> El-Rei? Impossível! Se Vosmecê se firma assim nessas<br />
disposições, então, meu amigo, a<strong>de</strong>us esperança <strong>de</strong> salvar Pernambuco! Está tudo<br />
perdido...<br />
— Pois eu, continuou impassível João Fernan<strong>de</strong>s, eu torno a confessar mais<br />
uma vez: sem a palavra do próprio D. João IV, não tenho coragem <strong>de</strong> me afoitar em<br />
negócio <strong>de</strong> tanto risco. Declaro abertamente a Vosmecê: tenho medo!<br />
O padre <strong>de</strong>u uns passos pelo rancho, as mãos às costas, vencido. E<br />
comentou acerbamente:<br />
— Razão tinha Frei Antônio Rosado, e muita quando gritava do púlpito<br />
aquelas palavras proféticas: De Olinda a Olanda não há mais que a mudança <strong>de</strong> um<br />
i em a; e esta vila <strong>de</strong> Olinda há <strong>de</strong> se mudar um dia em Olanda... Tinha razão o vê-lo<br />
fra<strong>de</strong>! Olinda vai ficar Olanda. Está tudo perdido...<br />
Ali, na quietu<strong>de</strong> do rancho, Frei Manuel repetia funebremente, como um eco:<br />
— Tudo perdido! Tudo perdido!<br />
Caiu um silêncio imenso. Fora, a noite preta, noite <strong>de</strong> sertão, apavorante.<br />
Dentro, o can<strong>de</strong>eiro lúgubre, com o seu clarão avermelhado, fantástico.<br />
Nisto, inexplicavelmente, estrídulo pio <strong>de</strong> nambu cortou <strong>de</strong> súbito o silêncio.<br />
Os dois homens estremeceram. Afiaram o ouvido. Outro pio, bem nítido, tiniu ainda<br />
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